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domingo, 5 de junho de 2011

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A DESTRUIÇÃO DO IDIOMA E SEUS PROPÓSITOS (NÃO TÃO) OCULTOS

HEITOR DE PAOLA

04/06/2011

O objetivo da Novilíngua não é apenas oferecer um meio de expressão para a cosmovisão e para os hábitos mentais dos devotos do IngSoc, mas também impossibilitar outras formas de pensamento. Tão logo for adotada definitivamente e a Anticlíngua esquecida, qualquer pensamento herético será literalmente impossível, até o limite em que o pensamento depende das palavras. Quando esta for substituída de uma vez por todas, o último vínculo com o passado será eliminado. (GEORGE ORWELL, 1984)

O mais importante sucesso de uma revolução ocorrerá quando uma nova filosofia de vida for ensinada para todos e, se necessário, mais tarde forçada sobre eles. (...) A principal tarefa da propaganda é ganhar o povo para a nova organização. A segunda é a ruptura do estado de coisas existente permeando-o com a nova doutrina. (ADOLF HITLER, Mein Kampf)

No último artigo para o Jornal Inconfidência iniciei uma nova série denominada A Quarta Fronteira e abordei primeiramente a fronteira lingüística, continuada aqui. Existem vários caminhos para a destruição revolucionária de um idioma com o objetivo de romper o estado de coisas existente.

A substituição da norma culta por um linguajar popular, sem “preconceitos”, como demonstrei naquele artigo, a diabólica imposição forçada do politicamente correto e, derivada desta, a censura a autores renomados da literatura nacional, como se está fazendo com Monteiro Lobato, alegadamente racista – como pelo mesmo motivo as novas edições de Huckleberry Finn, de Mark Twain retiraram as palavras nigger e injun (consideradas hoje ofensivas aos negros a aos índios), que na época nada tinham de racista, por slave. Como observa Jamelle Bouie, no The Atlantic, apagando nigger do Huckleberry Finn “não muda nada. Não cria esclarecimento racial nem nos livra do legado da escravidão e da discriminação racial. Tudo o que consegue é criar nos Americanos a aversão à história e à reflexão histórica”.

O mesmo certamente acontecerá com a censura às passagens carinhosas escritas por Lobato em relação à Tia Anastácia – ‘a melhor quituteira do mundo’ - que vendo a onça chegar perto, “tal como um macaco trepou rapidamente numa árvore para se salvar”. Segundo o politicamente correto isto é inaceitável porque compararia todos os negros com macacos, e não que a palavra macaco possa ter sido empregada para expressar a agilidade de subir agilmente em árvores!

O Professor Evanildo Bechara[i][1] aborda corretamente a estreita ligação dos “preconceitos lingüísticos” e a imposição do “politicamente correto” e acrescenta: “Esta questão do ‘preconceito lingüístico’ foi algo que os sociolinguistas trouxeram à discussão para estabelecer na sociedade quem manda mais e quem pode menos. No entanto este preconceito não tem mão única. Ele surge tanto da pessoa que fala a norma culta em relação à norma popular, como daquele que fala a norma popular em relação à norma culta. Porque o preconceito resulta da diferença e esta não é só do mais para o menos, mas também do menos para o mais”. E relaciona diretamente com o politicamente correto: “hoje não se pode dizer o preto ou o negro. Porém o negro diz do branco: ‘o branco azedo’”.

Pode-se notar claramente que apenas uma das mãos é interditada, a outra não, não só é aceita como até mesmo estimulada. É exatamente aí que os críticos do politicamente correto se enganam: a aparente eliminação dos “preconceitos”, sejam raciais, sejam de linguagem, não passa de uma mensagem sedutora para encobrir o desígnio revolucionário de criar uma Novilíngua para destruir a cultura, como alto conceito de saber, cujo aprendizado só pode ser adquirido com grande esforço, suor e lágrimas.

William Lind se refere ao politicamente correto como “AIDS intelectual” [ii][2]: “Tudo que ela toca adoece e finalmente morre”. Os politicamente corretos não querem que ninguém saiba uma verdade: “Politicamente correto não é nada mais do que marxismo traduzido do econômico para o cultural. (...) Enquanto o marxismo clássico prega que a história é determinada pela propriedade dos meios de produção, o cultural diz que a história é explicável pela identificação de quais grupos – definidos por sexo, raça, normalidade ou anormalidade sexual – têm poder sobre os outros grupos”.

O marxismo cultural, imperante na deseducação desde 1994 com a gestão de Paulo Renato Souza no Ministério da Educação[iii][3], considera que a revolução deve “expropriar” os homens brancos, heterossexuais e cultos deste poder, concedendo-o às “minorias” – homossexuais, feministas, negros, índios, quilombolas. Mulheres não feministas ou negros e índios que não aceitam esta ideologia são rejeitados como submissões aberrantes.

No que toca ao assunto que estou abordando o mesmo se dá com relação à cultura: os que aprenderam e usam a norma culta são os poderosos, e devem ser expropriados deste poder elevando a linguagem popular, errada ou inculta, ao mesmo nível. Rejeitam-se os que querem aprender a falar corretamente como submissos ao “poder cultural”. Bechara (loc. cit.) mostra que até a expressão “língua culta” sofreu este processo de depuração politicamente correta, na medida em que é considerada pejorativa, e por isto usa-se hoje em dia “língua padrão”. Mas, embora diga que concorda com isto, em toda a entrevista só usa o tradicional “culta”, o que não poderia deixar de ser em se tratando de um dos maiores gramáticos brasileiros.

GRAMSCI, A CULTURA E A LINGUAGEM

A "filosofia" de Gramsci resolve-se assim num ceticismo teorético que completa a negação da inteligência pela sua submissão integral a um apelo de ação prática [iv][4] ação que, realizada, resultará em varrer a inteligência da face da Terra, por supressão das condições que possibilitam o seu exercício: a autonomia da inteligência individual e a fé na busca da verdade.

OLAVO DE CARVALHO

A Nova Era e a Revolução Cultural

A concepção gramscista da linguagem é centrada sobre a comunicação, o seu “ser social”. A linguagem é, sobretudo o elemento onde se estratificam e se exprimem as distinções sociais, as desigualdades culturais fossilizadas. A linguagem contém filosofia e, inversamente “para criar uma ordem intelectual é necessária uma linguagem comum. “A materialidade das ideologias próprias à gnosiologia da política não se reduz exclusivamente à materialidade do conteúdo e das instituições. “A materialidade específica na qual se produz a ideologia é a linguagem, e de modo geral o significado” [v][5].

Gramsci estudou o que chamava de “duas Culturas”: a erudita e a popular: do folclore à novela, passando pelo romance popular, a cultura popular, é vista como cultura subalterna, essencialmente assistemática e não elaborada, que implica num novo objeto para a determinação do conceito de cultura: uma história das classes subalternas. Seu estudo corresponde a uma corrente da atual pesquisa histórica, a história das mentalidades.

A reforma intelectual e moral da sociedade visa elevar as classes subalternas da condição de ‘classe corporativa’ (interesse meramente econômico) a ‘classe nacional’, com consciência de classe e protagonismo, adequando a cultura popular à função prática de realizar a transição para o socialismo, exercer a hegemonia e o consenso, capacitando-a ao exercício do poder[vi][6]. Para isto são necessários dois fatores principais: a ampliação do conceito de intelectual e a criação de uma escola para os intelectuais orgânicos, conscientes de sua posição classista que comandarão o processo a se dar de forma totalmente inconsciente nas massas por via emocional e evitando o uso da razão.

A ampliação do conceito de intelectual inclui a totalidade dos indivíduos com qualquer nível de instrução, que possam atuar na propaganda ideológica: atores e atrizes do show business ou jogadores de qualquer esporte, publicitários, funcionários públicos, sambistas, roqueiros, letristas, etc. Pessoas que dificilmente sabem articular um pensamento completo, contrariando o conceito clássico de intelectual. São os intelectuais orgânicos[vii][7]. Mas para Gramsci, ‘todo mundo é um filósofo’, pois na linguagem está contida uma específica concepção de mundo. Assim, a lingüística, o estudo da linguagem, está diretamente relacionado aos estudos de política, cultura, filosofia e ‘senso comum’[viii][8].

Os intelectuais orgânicos devem se organizar e homogeneizar sua classe com vistas à hegemonia, uma casta consciente preparada para a produção de atividades propagandísticas travestidas de intelectuais. Esta casta forma uma verdadeira escola para atuar como agentes transformadores da consciência e a paulatina modificação do senso comum: são os ‘formadores de opinião’, conscientes de sua atuação.

Nestes pontos Gramsci também está de acordo com Hitler: “Quando um movimento objetiva pôr abaixo um mundo e construir outro no seu lugar, deve manter a total clareza nos altos escalões de suas lideranças” [ix][9]. Hitler também recomendava, a par de jamais encarar o individuo como pessoa, mas sempre como membro de um grupo social, “peneirar o material humano em dois grandes grupos: apoiadores e membros. Um apoiador é aquele que se declara em acordo com os objetivos, um membro é aquele que luta por eles, e corresponde à minoria” (id.). Alguma diferença entre as massas de idiotas úteis e os intelectuais orgânicos?

Deve-se lembrar que durante os governos militares, quando a palavra comunista era proscrita e podia dar cadeia, os comunistas rapidamente encontraram uma palavra substituta: intelectuais Estes se reuniam abertamente em locais como o Teatro Casa Grande, no Rio de Janeiro, sem despertar suspeitas e sem correrem riscos, pois seria um absurdo prender intelectuais que “apenas estavam discutindo assuntos de sua exclusiva competência” [x][10]. Na verdade eram os intelectuais orgânicos – a intelectualidade ampliada – que cumpriam duas tarefas: primeiramente estas reuniões eram usadas para tornar públicas as decisões tomadas à sombra pelos comitês centrais das diversas organizações revolucionárias em segundo lugar, como recomendava Gramsci, tentavam assimilar e conquistar ideologicamente os intelectuais tradicionais e isolar os recalcitrantes expelido-os de seus lugares, títulos, cargos e tudo o mais, assumindo assim a hegemonia. Restou a estes a convicção do reconhecimento da sua dignidade, o que é muito mais dos que os primeiros podem ostentar com todas as comendas e currículos acadêmicos.

Depois da “redemocratização” e, principalmente, desde 1994 com a ascensão ao poder desta corja, chegou-se à situação atual de termos hoje uma imprensa canalha totalmente dominada[xi][11] e uma academia de formar burros e idiotas. A educação básica não poderia ser diferente do que é.

OS INTELECTUAIS E O ESTADO

Há um erro fundamental na crítica às mudanças gramaticais, kit gay e a doutrinação política nas escolas: atribuir a culpa ao Estado tucano ou petista. Na verdade, o desenvolvimento por mais de 30 anos do exposto acima já atingiu uma das principais metas gramscista: a modificação do senso comum, levando a doutrinação das classes intelectuais e subalternas a uma existência autônoma com relação ao Estado e à política. Pode-se pensar, e muitos assim raciocinam, que basta eleger outros governantes de corte conservador para conseguir mudar esta situação da educação brasileira. Certamente isto pode, é e será explorado por aspirantes a cargos públicos que se apresentem como conservadores, liberais ou genericamente ‘de direita’. Nada mais falso! A modificação do senso comum no Brasil já atingiu o nível no qual seu desenvolvimento, ampliação e aprofundamento adquiriram por assim dizer vida própria e não dependem mais do Estado.

“...para as classes produtivas (burguesia e proletariado) o Estado só é concebível como forma concreta de um mundo econômico determinado (...) No Entanto.... a classe portadora das novas idéias é a classe dos intelectuais, e a concepção de Estado muda de aspecto. O Estado é concebido como uma coisa em si, como um absoluto racional. Podemos dizer o seguinte: o Estado sendo o quadro concreto de um mundo produtivo dado, e os intelectuais o meio social que melhor se identifica ao pessoal governamental, a transformação do Estado em absoluto é a função própria dos intelectuais. Assim, sua função histórica vê-se concebida como absoluto e sua existência como que racionalizada (...) Cada vez que os intelectuais parecem dirigir, a concepção do Estado enquanto Absoluto reaparece, com todo o cortejo reacionário que a acompanha inevitavelmente” [xii][12].

A força do Estado nada mais pode fazer para impedir que as ações revolucionárias sigam seu curso, pois estas possuem uma força inercial de tal grandeza que somente uma fortíssima repressão, frente à qual a contra-revolução de 1964 ou mesmo a de 1973 no Chile, pareceriam um acidente num passeio na Disney. O poder a ser enfrentado não está mais na ponta de um fuzil ou em atentados terroristas, mas já ultrapassou a Quarta Fronteira, a fronteira mental da quase totalidade da população de tal forma que não basta enfrentar um establishment identificável o establishment é a força das idéias hegemônicas do que Gramsci recomendava: o ‘Estado ampliado’, a sociedade civil orgânica por ele idealizada.

Ao examinar a situação escolar brasileira há um imenso risco em adotar uma visão antitética das relações entre Estado e sociedade civil na atual cultura política brasileira, pois a sociedade civil já é capaz de se autoproduzir e reproduzir independentemente da luta política institucionalizada, como observa Magrone[xiii][13]:

Não se trata apenas de um esgotamento das energias utópicas, mas algo mais fundo que se assemelharia à aceitação universal da idéia panglossiana de que vivemos hoje no melhor dos mundos possíveis. A indiferença parece ser hoje o subtexto de quase todos os movimentos da vida pública, gerando uma apatia cidadã que começa a preocupar até mesmo os espíritos menos sensíveis aos efeitos da omissão coletiva na esfera política. Idéias e valores tradicionais perderam o seu poder de configuração. Cada vez mais, a competição agonística dos interesses particulares tem como conseqüência um expressivo estreitamento dos futuros possíveis, a ponto de reduzir qualquer ação social aos limites do lucro próximo.

Cada vez mais me convenço de que Olavo de Carvalho está certíssimo ao dizer que o brasileiro é o povo mais dinherista do mundo: aos pobres, bolsa família, minha casa minha vida e outras benesses, principalmente cerveja e cachaça baratas. À classe média, controle da inflação, dólar barato, crédito fácil para casas, carros importados, bebidas de qualidade, freqüentes viagens ao exterior. Aos ricos, empresários, banqueiros e principalmente empreiteiros, créditos do BNDES a perder de vista, obras governamentais que facilmente são superfaturadas e, com a expansão do Foro de São Paulo uma penca de governos cúmplices e tão corruptos quanto o nosso para expandir negócios muitas vezes escusos. Usufruindo deste mundo panglossiano, cultura pra quê? Perder tempo com estudo de gramática quando nem mais cheques precisamos preencher, bastam o meios eletrônicos de pagamento nos quais é só digitar uma senha?

Se Magrone (op.cit.) acerta numa parte do diagnóstico, erra no principal ao dizer:

Está-se, portanto, diante de uma crise do modo mesmo pelo qual até hoje vivemos e representamos o mundo. Em tal contexto, as idéias de Gramsci parecem não encontrar um terreno propício ao seu desenvolvimento, a despeito do fato de ele ser considerado por muitos intelectuais como o “teórico da crise”. Além disso, a recepção dos Cadernos do cárcere no seio da intelligentsia educacional brasileira é ainda um problema em aberto.

Magrone parece não perceber que não há necessidade de ler os Cadernos, pois no Brasil já estamos vivendo em pleno mundo gramscista!

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