O NOVO IMPÉRIO BRASILEIRO
:: Clovis Purper Bandeira *
“A depravação do Poder Legislativo e a dependência do Judiciário, de um lado, a exorbitância do Executivo, por outro, paralisam, entre nós, o governo representativo. A atonia do povo e sua rudez política, a par do espantoso desenvolvimento e corrupção do elemento burocrático, dão ao mal uma enormidade assustadora”. JOSÉ DE ALENCAR – “CARTAS DE ERASMO” – 07 JAN 1866
Ao contrário de seus vizinhos, o Brasil tornou-se independente sob um Imperador. Dom Pedro I e seu filho Dom Pedro II cumpriram um enorme trabalho histórico de criação e afirmação de um país gigantesco, entregando-o unido, indiviso, falando um mesmo idioma, sem enclaves estrangeiros, com suas fronteiras praticamente definidas, livre da escravidão negra, e aceitando uma transição para a república democrática feita sem derramamento de sangue e sob os auspícios da Maçonaria.
Como imperadores, personificavam o poder do Estado – um Poder Moderador – poder que dirimia dúvidas e dava a última palavra nos mais graves e polêmicos assuntos nacionais. Seus atos políticos, com base na honra, não eram sujeitos a julgamento, pois eram inimputáveis.
Segundo João Camillo Torres, a razão da existência do Poder Moderador era o fato de que o "monarca, pela continuidade dinástica, não fazendo parte de grupos, classes, ou etnias, nem possuindo ligações regionais, não devendo seu poder a partidos, grupos econômicos e não tendo promessas eleitorais a cumprir, não precisava 'pensar no futuro' – o futuro de sua família estaria garantido se a paz e a grandeza nacional estivessem preservadas – e, pois, não estava sujeito à tentação de valer-se de uma rápida passagem pelo governo para tirar proveitos, benefícios e vantagens pessoais e particulares à dinastia à custa da nação, deixando o ônus dos assuntos não resolvidos a seus sucessores".
O Art. 99 da Constituição de 1824 declarava que a "pessoa do Imperador é inviolável e sagrada; ele não está sujeito à responsabilidade alguma". Tal dispositivo não era uma característica única do regime monárquico constitucional brasileiro do século XIX. Pelo contrário, a inimputabilidade do monarca ainda existe nas atuais monarquias parlamentaristas, que estão entre os países mais democráticos, menos corruptos e com melhor qualidade de vida para seus habitantes.
Dom Pedro II, em especial, ao adotar a Monarquia Parlamentarista Constitucional, conseguiu evitar o agravamento de crises políticas internas e externas, manobrando com competência e equilíbrio no rodízio dos ministérios entre conservadores e liberais. Permitiu – e não combateu – as idéias liberais e republicanas que surgiam no final do século XIX, em especial após a Guerra da Tríplice Aliança, garantindo a liberdade de imprensa mesmo quando essa imprensa atacava o regime monárquico e procurava ridicularizá-lo em caricaturas impiedosas e, muitas vezes, injustas.
Os imperadores brasileiros distribuíam – como era próprio dos impérios – glebas e títulos nobiliárquicos aos que os serviam com mais eficiência, mas procuravam separar os bens da Coroa dos cofres do Império. Dom Pedro II, por exemplo, fazia empréstimos bancários para financiar suas viagens à Europa. Este mesmo Imperador era respeitado como cientista e estudioso, falava vários idiomas e surpreendia seus interlocutores na cena internacional por seu saber e cultura, falando-lhes sem intérpretes em seus próprios idiomas.
Passados mais de cem anos, o Brasil ensaia uma volta ao passado, como sempre, mais um arremedo do mesmo, evitando o que deu certo e insistindo no que se revelou errado. Nossos novos “imperadores” – que escolhem seus sucessores e os elegem pelo emprego desavergonhado da máquina pública e da compra de votos – não aprenderam nada com a história que não leram. Afinal, nasceram analfabetos... E assim defendem que devam continuar.
Destarte, dão as últimas palavras nos mais graves assuntos nacionais, mesmo não tendo mais um mandato para tal. Como um novo “Poder Moderador”, são inimputáveis e estão acima das leis e dos demais poderes.
Ao contrário dos monarcas, fazem parte de grupos, classes e sindicatos; possuem ligações regionais e devem seu poder a partidos e grupos econômicos; têm promessas eleitorais que deveriam cumprir, mas nada sofrem por não fazê-lo; contam apenas com sua rápida passagem pelo governo para tirarem vantagens e benefícios particulares, à custa dos cofres públicos, para sua família, seus amigos e asseclas.
Embora não haja amparo legal, na prática, cometem seus mal-feitos sem nenhum pejo ou temor de responder criminalmente pelos mesmos, pois crêem ter ‘imunidade real’ – a mesma inimputabilidade dos monarcas – para dispor dos bens públicos como se fossem seus e particulares, e pelo simples fato de terem sido eleitos. Foram eleitos, sim, mas para cumprir com seus deveres, dentro dos limites da Lei e não para se locupletarem impunemente, o que acontece por incompetência e inoperância – quando não por conivência – dos demais poderes da república e, ainda, pela indiferença abúlica dos eleitores, comprados por miçangas, colares, e apitos, como os antigos nativos por seus colonizadores.
Demonstram ojeriza pelo rodízio, pela alternância, no poder, acreditando-se predestinados para exercê-lo ‘ad aeternum’, como se fossem iluminados pela onisciência e pela onipotência divinas. Assim, tudo fazem para se perpetuarem no poder, comprando-o com sesmarias, postos, comissões, mensalões, contratos e nomeações para cargos em infindáveis ministérios e secretarias, obtendo, destarte, o apoio dos vendilhões que deveriam ser seus opositores políticos e fiscais.
Temem e pretendem controlar qualquer divulgação de notícias negativas ou denúncias de irregularidades no seio da ‘Corte’, tentando por diversas vezes e de vários modos adotar medidas de controle da mídia e de cerceamento da liberdade de imprensa, atribuindo as más notícias difundidas aos mensageiros que as propagam, e não aos seus reais causadores.
Vagueiam pelo mundo em viagens inúteis e caríssimas, acompanhados por vasto séquito de ‘nobres’, hospedados nos hotéis mais exclusivos, utilizando aviões privativos dos modelos mais modernos, encomendados a peso de ouro para se transformarem em tapetes mágicos das ‘mil e uma noites’, com todos os luxos imagináveis – tudo à custa do erário. As viagens, alegadamente de ‘interesse nacional’, resultam em nada ou quase nada para o país, em termos de aumento do comércio internacional ou do prestígio brasileiro junto às demais nações.
E, sem honra alguma, o mais grave e doloroso: tudo acontece às claras, sob o olhar complacente das autoridades que deveriam coibir tais abusos e dos ‘súditos’ que poderiam puni-los nas urnas, negando-lhes novos mandatos. Como nada disso ocorre, “nóis merece”, como ensina e autoriza recente livro escolar distribuído pelo MEC.
* O autor é General-de-Divisão e vice-presidente do Clube Militar
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