Brasil manobra, mas Haia julga caso Battisti
Governo deixa de indicar nome para comissão de conciliação, como havia sido proposto pela Itália, e considera inevitável que corte avalie situação
O governo brasileiro adotou uma manobra diplomática para retardar um julgamento pela Corte Internacional de Justiça, com sede em Haia (Holanda), e reduzir o impacto de uma eventual condenação por decidir não extraditar o ex-ativista Cesare Battisti, condenado à prisão perpétua por quatro assassinatos na Itália.
O Brasil rejeitou a proposta da Itália de criar uma comissão de conciliação para se chegar a uma "solução jurídica amigável". Com isso, o governo tenta manter o assunto no âmbito quase sigiloso dos despachos diplomáticos e evita os holofotes de um tribunal internacional.
A Itália havia pedido ao Brasil que indicasse até hoje um representante para a Comissão Permanente de Conciliação, prevista na Convenção sobre Conciliação e Solução Judiciária, assinada pelos dois países em 1954. Assim, conforme o texto da Convenção, daria por encerradas as tratativas sobre o caso pela via diplomática. Um árbitro neutro, provavelmente indicado pela Corte de Haia, estaria incumbido de propor um acordo entre as partes. O prazo estipulado pela Itália não está expresso na convenção e, por isso, o Brasil não trabalhava com esse limite.
Impasse. Independentemente disso, já havia um entendimento de que o Brasil não indicaria seu representante nessa comissão. A avaliação do Itamaraty é que não há possibilidade de acordo no caso. A única resposta aceitável para a Itália é que Battisti seja extraditado; o Brasil insiste que uma decisão soberana foi tomada pelo Estado brasileiro e recusa-se a entregá-lo.
Assessores jurídicos da Presidência da República e do Itamaraty enfatizam que o caso, de qualquer maneira, chegará à Corte de Haia. Por isso, não veem razão para instalar a comissão.
Rejeitar a interferência dessa comissão teria uma consequência adicional considerada relevante pelo governo brasileiro. A avaliação de assessores jurídicos é de que evitar essa comissão restringe os efeitos e a legitimidade de uma eventual decisão da Corte de Haia contrária à permanência de Battisti no Brasil.
Se aceitasse essa comissão, o Brasil estaria admitindo o julgamento pela Corte de Haia. O texto da convenção estabelece que a falta de acordo entre as partes leva automaticamente o caso para uma decisão final da Corte. Mesmo que a decisão seja contrária ao Brasil, ela tem, na avaliação de diplomatas brasileiros, só efeito moral - que seria amenizado pelo fato de o País não ter reconhecido a ação de uma comissão de conciliação. Não há nada que obrigue o Brasil a acatar qualquer decisão de Haia.
Diplomacia. Na próxima semana, o chanceler brasileiro, Antonio Patriota, deve encontrar o ministro das Relações Exteriores da Itália, Franco Frattini, em Nova York. Um dos temas a serem tratados é justamente a situação de Battisti. Ao longo dos últimos meses, o embaixador da Itália no Brasil, Gherardo La Francesca, tem-se encontrado com o secretário-geral do Itamaraty, embaixador Ruy Nogueira. As conversas, no entanto, não levam a nenhuma conclusão.
Diplomatas ouvidos pelo Estado afirmam que o governo brasileiro entende a pressão italiana como um caso de política interna muito sensível. Nem por isso poderá ceder, já que o asilo político já foi concedido a Battisti. Quando o caso chegar a Haia, o Brasil contratará um advogado para fazer sua defesa. Antes disso, nada será feito.
PARA ENTENDER
Texto de 1954 prevê conciliação
A Convenção sobre Conciliação e Solução Judiciária entre o Brasil e a Itália foi assinada em 1954 pelos dois governos. Três anos depois, ela entrou em vigor.
O texto estabelece que, caso não haja solução diplomática para controvérsias que surjam entre os dois países, Brasil e Itália indicam um representante cada para uma comissão de conciliação judiciária.
O presidente dessa comissão é escolhido por consenso pelos dois países. Se não houver acordo na definição desse nome, um integrante da Corte de Haia, que não seja italiano ou brasileiro, é escolhido por sorteio.
Caso uma das partes não aceite a proposta final da Comissão de Conciliação, ela pode submeter o objeto da controvérsia à Corte Internacional de Justiça.
Itália e Brasil, na verdade, já deveriam ter criado essa comissão ainda em 1958, seis meses depois que a convenção entrou em vigor, conforme previsão do texto firmado entre os países. No entanto, como nunca houve conflitos sérios que demandassem a intervenção dessa comissão, isso nunca foi feito.
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