Corpo da mensagem
O fantástico passeio de Celso Arnaldo com Dilma e Patrícia Poeta termina no Planalto
Celso Arnaldo Araújo
A caminho do Palácio do Planalto, no banco de trás do Omega negro e solene, chapa 001 da República, Patricia Poeta mal ouve a presidente, sentada a seu lado, dizendo algo que soa como “é bom morar perto do serviço” ─ o que, na edição final da entrevista, acabaria sendo traduzido assim por PP: “O trajeto entre os Palácios da Alvorada e do Planalto, a casa e o trabalho da presidente da República, leva quatro minutos. É ela quem faz questão de me destacar esse detalhe de eficiência e rapidez. Duas qualidades que aprecia muito.”
Na verdade, Patricia está levemente perturbada com o resultado da entrevista que acabara de fazer no Palácio da Alvorada. Tudo o que passa e repassa por sua cabeça são as terríveis respostas dadas há pouco pela presidente a perguntas banais a respeito de saias, netos, mães e omeletes – pensamentos incompletos, fragmentados, invertidos, toscos, primários, atravessados. Nada que, a rigor, pudesse ir ao ar sem closed caption – legendas ocultas.
A caminho do Planalto, Poeta se sente culpada por não ter conseguido extrair da presidente, no Alvorada, uma única e solitária ideia que faça sentido sem edição e efeitos especiais. Mas havia uma chance de redenção. Em casa, ela talvez estivesse relax demais, não caprichou no enunciado das ideias. Agora, em clima mais formal, e falando sobre temas que realmente interessam à vida nacional, tudo seria diferente.
De fato, a segunda parte do papo começa em altíssimo estilo:
Patrícia Poeta: Aqui é o gabinete da presidência da República, certo?
Dilma Rousseff: É verdade.
Nada de emos que chocam ovos no Alvorada, o assunto agora é a agenda política e econômica do país
Patrícia: O comando político tem três mulheres. Como é que tem funcionado esse clube?
Dilma: Eu acho que é sempre bom combinar homens e mulheres, porque nós todos somos complementares. A mulher, eu acho, que ela é mais analítica, assim, ela tem uma capacidade maior de olhá o detalhe, de procurá aquela perfeição, uma certa… Nós somos, assim, mais obcecadas.
Patrícia: E os homens?
Dilma: Os homens têm uma capacidade de síntese, dão uma contribuição no sentido de ser mais, é, eu diria assim, objetivos no detalhe, eles sintetizam uma questão, a mulher analisa. Então, essa complementariedade (sic) é muito importante. Mulher é capaz, que senão não educava filho.
Para Dilma, a complementariedade entre homem e mulher é tão perfeita que é rigorosamente impossível distinguir um homem de uma mulher – pelo menos na forma como foram descritos pela presidente. A única diferença é que mulher educa filho. Mas Poeta achou o máximo: agora sim a presidente estava dizendo coisa com coisa. Patricia pergunta se, nas reuniões das poderosas mulheres do Planalto, há um lado mais feminino na pauta. Tipo: bolsa, maquiagem.
Dilma: Na verdade, não tem, viu? Não. Tem neto, viu? Agora aqui tem uma quantidade de gente com neto e todo mundo quer mostrar o seu atualmente.
Consta que, à porta do Palácio, já há camelôs alugando netos para as reuniões presidenciais.
Patrícia: Agora, presidente, vamos esclarecer algo que virou meio lenda aqui, que é o jeitão da presidente, que é o estilo. A senhora é durona mesmo?
Dilma: Uma vez eu disse e ninguém entendeu. Eu disse achando que eu tava fazendo uma ótima piada. Mas o pessoal não entendeu direito, não. É que eu sou a única mulher dura cercada de homens todos meigos aqui. Nenhum é duro, nenhum é tranquilo e firme, então, é uma coisa absurda. Só porque eu sou mulher e tô num cargo que, obviamente, é de autoridade, eu tenho de ser dura. Se fosse um homem, você já viu alguém chamar… Aqui no B rasil alguém falar: ‘Não, fulano está num cargo e ele é uma pessoa durona, não…
No caso dos homens do Planalto, posarem de desentendidos faz sentido: é duro ouvir que ali nenhum homem é duro e firme. Tem o Gilberto Carvalho, mas a presidente não precisava generalizar.
Patrícia: E vale bronca nessa hora, por exemplo?
Dilma: Olha, a bronca faz parte e é uma bronca meiga. É aquela…
Patrícia: Dá um exemplo pra gente.
Dilma: ‘Isso num tá certo, não pode ser assim’.
Patrícia: Nesse tom?
Dilma: Ah, é, é esse tom. ‘Num tá certo e não pode ser assim’.
Imaginemos a cena: Dilma chama Sérgio Gabrielli ao Palácio e diz “Meu querido, isso num tá certo, não pode ser assim”. Gabrielli irrompe em choro convulsivo.
Patrícia: O que tira a senhora do sério?
Dilma: Eu vou te falar, eu acho que quando a gente não deu o melhor de si, me tira do sério.
A gente quem? A senhora, Patrícia Poeta ou si?
Patrícia: E quando falam, assim, do seu temperamento, isso incomoda a senhora de alguma forma ou não, a senhora não está nem aí para isso?
Dilma: Sabe o que é, Patrícia? Ossos do ofício. Tem vários ossos do ofício no ofício de ser presidente. Um é esse. O caso, por exemplo, da luta contra a corrupção é osso do oficio da presidência, ou seja, é intrínseco à condição de presidente zelar para que o dinheiro público seja bem gasto. Depois, eu tenho uma responsabilidade pessoal também nessa direção.
Dilma aprendeu a expressão “ossos do ofício” numa consulta com o ortopedista do Palácio. Gostou tanto que criou as variantes “os ossos do ofício no ofício” e “o osso do ofício”. Mas não precisava exagerar usando a expressão para dizer que a presidência nunca rói o osso e a corda quando o assunto é corrupção.
Aliás, os minutos seguintes foram dedicados à faxina que não é faxina e ao toma lá dá cá que não é lá nem cá — uma meia “saia justa” entre a presidente e a Poeta, já explorada pelos jornais. Se sentiu a invertida, Patricia não acusou – porque logo levantou a bola de novo para a presidente cortar.
Patrícia: Qual a senhora acha que foi, nesses oito meses, o seu maior acerto?
Dilma: Nesses oito meses? Xô pensá. Por que eu tô pensando? Porque eu não posso te dar várias. Porque eu acho que algumas coisas eu acertei bastante. Eu vou falar, eu acho que foi muito acertado, logo de início, ter entregue os remédios de graça. Sabe por que que eu estou falando isso? Porque eu acho que a pessoa que não tem dinheiro para comprar um remédio que precisa, acho que é um drama humano violento (…) Podia dar uma segunda?
Se fosse uma resposta de Obama à mais importante emissora de TV norte-americana, o Partido Republicano já poderia cantar vitória nas eleições do ano que vem. Sendo Dilma, ela ainda pede para dar uma segunda:
Dilma: Olha, Patrícia, eu fico muito orgulhosa de uma outra coisa. É outra coisa que não é assim grande, mas pra mim é importante. É importante reduzi imposto. Então, eu gostei de fazê isso pra quem? Pru Super Simples e pru MEI.
Felizardos esses tais de Super Simples e MEI. Os impostos só abaixaram para eles. Hoje mesmo, no painel da Associação Comercial de São Paulo, a carga fiscal brasileira ultrapassou a marca de 1 trilhão de reais arrecadados este ano – recorde dos recordes na metade de setembro.
E ainda falam na volta da CPMF! Dilma é contra:
Dilma: Sabe por que a população era contra a CPMF? Porque a CPMF foi feita pra ser uma coisa e virou outra. Acho que a CPMF foi um engodo nesse sentido de usar o dinheiro pra saúde não pra saúde.
Depois do “dinheiro pra saúde não pra saúde”, uma daquelas frases em dilmês que marcam território, o resto do papo foi só para cumprir tabela. Juros, indústria, crise internacional – nada que se aproveitasse numa conversa séria sobre o Brasil.
Patrícia: Presidente, muito obrigada por essa conversa, por mostrar um pouco da sua intimidade pra gente, por ter me recebido aqui em Brasília. Agora, chega de papo, né?
Dilma: Agora, eu vou trabalhar.
Patrícia: Vai trabalhar, presidente. Muito prazer em conhecê-la pessoalmente. Bom trabalho.
Dilma: Brigado.
Poeta saiu do Planalto com outro espírito. A impressão inicial de desalento e autorrecriminação deu lugar a uma certeza: essa entrevista marcará sua carreira para sempre. Dilma tem esse dom.
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