A UPEC se propõe a ser uma voz firme e forte em defesa da ética na política e na vida nacional e em defesa da cidadania. Pretendemos levar a consciência de cidadania além dos limites do virtual, através de ações decisivas e responsáveis.


terça-feira, 8 de novembro de 2011

"O Irã é como um fogo adormecido"

"O Irã é como um fogo adormecido"

Em Brasília, iraniana Nobel da Paz elogia o Brasil, lamenta não ter sido recebida pela presidente e denuncia a repressão brutal em seu país.
Rodrigo Craveiro
10 de Junho, 2011
A passagem da iraniana Shirin Ebadi por Brasília teve sabor de decepção. A advogada que ganhou o Prêmio Nobel da Paz em 2003 por sua luta pelos direitos humanos no Irã não conseguiu ser recebida pela presidente Dilma Rousseff, em viagem a Blumenau (SC). Em entrevista exclusiva ao Correio, Ebadi não escondeu a frustração. "O motivo pelo qual não houve a reunião com a presidente teria que ser perguntado ao gabinete da Presidência.

Eu desconheço", desabafou. Durante 25 minutos, a mulher que desafiou o regime dos aiatolás falou sobre a repressão extrema praticada pelo governo iraniano, com a ajuda de um intérprete, que traduziu as perguntas para o farsi. "O povo nem está livre para enterrar seus mortos", comentou. E citou o caso da filha do dissidente Ezzatollah Sahabi, espancada e morta durante o funeral do pai, no último dia 1º. Também abordou a perseguição sofrida pelos seguidores da fé Bahá"í e pelas mulheres.

Desde junho de 2009, Ebadi não visita sua terra natal. Já recebeu ameaças de morte e soube que seu escritório de advocacia foi fechado. Apesar de reconhecer a insatisfação dos iranianos ante a aproximação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva com o colega Mahmud Ahmadinejad, ela celebra mudanças na política externa brasileira. "Agora, há mais respeito aos direitos humanos", disse.

Pela manhã, a Nobel da Paz foi recebida por parlamentares da oposição em uma audiência pública na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados. Durante o evento, ela pediu por várias vezes que o Brasil mantenha seu posicionamento de repreensão a Teerã por violações aos direitos humanos. Também no Congresso, manifestou o descontentamento com o fato de Dilma não atendê-la. "Queria falar para a presidente do Brasil, que é uma mulher, sobre essas leis (contra as mulheres). Infelizmente, não foi possível", declarou Ebadi.

A decisão de Dilma foi criticada pela base oposicionista no Congresso — na quarta-feira, os parlamentares tentaram aprovar uma moção de repúdio à presidente, mas a medida foi vetada. Ontem, eles lembraram que Dilma recebeu os cantores Shakira e Bono Vox.

A assessoria de imprensa do Palácio do Planalto admitiu que a cada 20 pedidos de audiência com Dilma, apenas um costuma ser atendido — por questão protocolar, os encontros seriam preferencialmente com chefes de Estado ou de governo e com ministros. Segundo a Presidência, as solicitações feitas por personalidades da sociedade civil são avaliadas de acordo com a conveniência e a agenda de Dilma. A assessoria descartou que existisse o temor do governo de se criar um mal-estar entre Teerã e Brasília. Shirin Ebadi permanece até a próxima quarta-feira no Brasil. Hoje pela manhã, ela embarcaria para o Rio de Janeiro.

O mundo árabe enfrenta uma revolta contra regimes autoritários, mas os iranianos estão relativamente passivos. Um levante também pode ocorrer no Irã?
No Irã, o povo saiu às ruas, há dois anos, mas foi brutalmente reprimido. Devido à brutalidade e à violência do governo, o povo não sai mais às ruas. Mas eles não estão quietos nem rendidos. No Irã, cresce, dia a dia, o nível de insatisfação e descontentamento. E a situação do Irã é como um fogo adormecido. A democracia nos países árabes com certeza terá uma influência na questão da democracia no Irã.


É possível que o Irã realize uma guinada na democracia, uma nova revolução para depor o regime dos aiatolás?
Há 32 anos, o povo do Irã entendeu o significado de um governo islâmico. E, agora, quer que o governo e a religião se separem. A maioria do povo do Irã é secular e sabe que, um dia, a democracia vai chegar.

Como funciona a campanha de perseguição sistemática adotada pelo regime iraniano?

A censura é muito severa no Irã e, além disso, o governo constantemente controla a internet e o telefone das pessoas mais visadas. A agregação de várias pessoas em espaços públicos e as passeatas são proibidas no Irã. Os iranianos nem sequer podem ter comemorações para pessoas mortas na família, como acontece aqui no Brasil, com as missas de sétimo dia. Há uns dias, um dos críticos do regime, o senhor Ezzatollah Sahabi, de 80 anos, faleceu. A família queria enterrar o corpo do senhor Sahabi, mas o governo não deixou que isso ocorresse. Tomaram o corpo à força e o enterraram em algum lugar, por conta própria. No meio do enterro e dessa briga para agarrar o corpo da família, a filha de Sahabi — uma feminista famosa chamada Haleh — foi espancada durante o sepultamento e morreu. Quando Haleh morreu, mais uma vez o governo não deixou que a família tomasse o corpo dela. Eles (as autoridades) o levaram o corpo secretamente de madrugada e o enterraram por contra própria. Há tanta repressão e limitação das liberdades, que o povo nem está livre para enterrar seus mortos e para estar de luto por aqueles que morreram.

De que modo a senhora vê a questão dos seguidores da fé Bahá"í? Qual é a situação dos sete líderes bahaí"ís presos?
Infelizmente, cada um dos sete líderes bahá"ís foram condenados a 20 anos de prisão. E todos estão presos. Não são apenas esses sete líderes, aos quais chamamos de hamdam ("companheiros", em persa), mas existem vários bahá"ís que estão presos atualmente. Talvez vocês saibam que o governo não dá aos bahaí"ís nem sequer o direito de estudar nas universidades e faculdades. Como resposta, os bahá"ís tinham fundado uma universidade secreta, onde os pais com formação universitária davam aula aos estudantes. O governo ficou sabendo, fecharam a universidade à força, prenderam os professores da universidade e confiscaram os materiais.

Durante o governo Lula, o Brasil mostrou-se mais próximo ao presidente Mahmud Ahmadinejad, apesar da oposição do Ocidente à política nuclear iraniana. Isso foi muito negativo para a imagem do Brasil perante o povo iraniano?
No Brasil, algumas pessoas lutaram muito pela democracia e, finalmente, conseguiram trazê-la ao seu país. E os iranianos não esperavam que um povo que lutou tanto pela democracia fosse apoiar um governo não democrático.
Por outro lado, a presidente Dilma Rousseff deu sinais de que vai manter uma certa distância do regime iraniano. O Brasil votou a favor do envio de um relator especial da ONU para investigar as violações dos direitos humanos no Irã. Como a senhora vê essa guinada de posição?
Na política externa do Brasil, houve algumas mudanças. E, agora, há mais respeito aos direitos humanos. Há um ano, essa mudança vem sendo percebida. Antigamente, o governo do Brasil votava a favor do governo do Irã. Porém, agora, vota a favor do povo do Irã. Por isso, o povo do Irã agradece. Era a minha intenção de vir aqui e falar pessoalmente à presidente sobre o agradecimento do povo do Irã por essas mudanças. E espero que o governo do Brasil não mude essa conduta, que mantenha essa conduta. E em setembro, quando ocorrerá uma nova votação na ONU, que o governo brasileiro vote novamente a favor do povo do Irã. E, assim, que a Dilma mostre e comprove que respeita os direitos humanos.

A seu ver, qual o motivo de Dilma não a ter recebido?
O motivo pelo qual não houve a reunião com a presidente teria que ser perguntado ao gabinete da Presidência. Eu desconheço. Eles nos ligaram do gabinete da Dilma e falaram que a reunião não vai acontecer. E que, em vez disso, teríamos um encontro com o Marco Aurélio (Garcia, assessor para Assuntos Internacionais da Presidência). Eu não aceitei e, por isso, nós só tivemos hoje uma reunião no Congresso

O que a senhora esperava debater com a presidente?
Era minha intenção trazer a mensagem de agradecimento e de amizade do povo do Irã para a Dilma. E agradecer pelo fato de, no último ano, o Brasil ter votado a favor do povo do Irã. Depois, queria falar com ela sobre assuntos relacionados aos direitos humanos, principalmente em relação aos direitos da mulher. E pensava que talvez o tema dos direitos das mulheres no Irã fosse interessante para ela.

A mulher iraniana é, hoje, a maior vítima da repressão?
Sim, são as maiores vítimas. Porque nós temos muitas leis discriminatórias contra a mulher. Vou dar alguns exemplos agora. O valor da vida de uma mulher é metade do valor da vida de um homem. Por exemplo, se um homem e uma mulher sofrerem um acidente e tiverem os mesmos ferimentos, a mulher receberia metade da indenização que caberia ao homem. Em qualquer tribunal do Irã, o testemunho de duas mulheres é igual ao de um homem. Um homem pode se casar com quatro mulheres e, na hora que quiser, pode se divorciar de qualquer uma delas. Para conseguir o divórcio, uma mulher teria muita dificuldade.

Que análise faz dos recentes atritos entre o aiatolá Ali Khamenei e Ahmadinejad? Por que o presidente não tem total apoio do líder espiritual iraniano?
O conflito, a diferença deles, trata de poder político. Ahmadinejad chegou à Presidência com a ajuda e o apoio de Khamenei e, agora, quer mais poder.

O que a concessão do Prêmio Nobel da Paz à sua pessoa representou para o regime iraniano? A perseguição sofrida pela senhora piorou após 2003?
Depois do Prêmio Nobel, a minha voz alcançou — de forma muito melhor e efetiva — o povo do mundo. E isso não era algo que agradasse ao governo do Irã. As limitações que causavam para mim aumentaram.

As autoridades iranianas tentaram boicotar sua vinda ao Brasil?
Desde junho de 2009, eu moro fora do Irã. Por isso, eles não podiam causar limitações para mim, pois eu não estava no Irã. Mas o governo pegou meu marido e minha irmã como reféns e proibiu a saída deles do país. Por um tempo, os dois ficaram na cadeia. Já fui ameaçada de morte várias vezes.
--

Nenhum comentário: