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domingo, 12 de setembro de 2010

O CONTRAFILÉ E O FRANGO

É preciso que nos deixem valer
Pois seria mais que temível
Permitir ao caos vencer
Num tempo tão pouco esclarecido!”


Bertold Brecht


Waldo Luís Viana*

Meu operoso jardineiro, ao responder-me a pergunta singela sobre em quem iria votar nessas eleições, sapecou-me uma estorinha, que passo para vocês. Disse-me ele, enxugando a testa:

– Doutor, sei não, mas no sábado eu comprei uma peça de contrafilé no açougue para um churrasco lá em casa; peguei o troço, entrei no carro e fui embora. Quando eu, em outro governo, poderia fazer isso?

Fingindo não entender o alcance da, digamos, “metáfora”, redargui-lhe: “quer dizer que você vai votar na candidata do governo?” e ele, triunfante, respondeu:

– Claro, hoje eu posso comprar e comer um contrafilé e o carro eu já paguei...

Ora, meu jardineiro é bom sujeito. Tentei lhe falar, quase ao ouvido, que isso não era façanha propriamente do Lula, que durante o Plano Real do Fernando Henrique ele também podia comprar um frango com moedinhas. Aí ele se aprumou e respondeu, na lata:

– Ora, mas isso não importa agora. Ninguém se lembra disso e o povão, assim como eu, tem memória curta!

A memória do brasileiro não cabe num mandato de eleição. Vale o escrito, de preferência se tudo ficar explicadinho no momento. Eu me lembro da revolta dos desabrigados das enchentes de abril, das filas nos hospitais, da insegurança nas ruas, com os bondes dos traficantes, dos trens de subúrbio no Rio de Janeiro que não têm classificação, dos brasileiros sem casa, comida, remédio e educação – enfim, de tudo o que minha memória de sofrimento alcança, mas parece que na hora da eleição vale o que o presidente manda para os jardineiros da vida.

Essas eleições ficaram muito esquisitas, porque reverteram a normalidade binária de governo e oposição. Aqui, quase todos são governo, porque ninguém ousa contestar o mandatário-mór. Todos são de esquerda, inclusive os banqueiros. O status quo enrabichou-se em lateralidade, ficando o país aleijado na representação. Se todos são do mesmo lado é melhor fechar e fazer mesmo o que o dono manda!

Somos meninos, confessos, à procura de um pai e uma mãe, tentando parecer com os argentinos, eternamente viúvos das prostitutas com que antigamente Perón se casava...

Os brasileiros vão se internando na imensidão de uma letargia, completamente anestesiados pelo governo no poder, que não dá espaço para o pensamento. Pensar significa sopesar, ver o peso entre uma coisa e outra, duvidar, criticar, ousar a utilização da lógica exibindo espaços novos para o entendimento dos outros.

No entanto, aqui não! Fora do delírio oficial não há qualquer opção, nem salvação! O presidente, que nunca mente, e sua candidata têm a vida eterna, num palco de maravilhas que jamais irá mudar. O brasileiro finalmente ganhou todas as causas e chegou à conclusão de que convive com deus na Terra!

Como disse, certa vez nosso grande filósofo Delúbio Soares: o mensalão acabará sendo piada de salão. Um chiste tão bem contado que provocará risos enfim no Supremo Tribunal Federal, que, aliás, gastou duas sessões para decidir restaurar o humor na terra brasilis. Nunca antes nesse país...

Quando a gente vê uma cracolândia em São Paulo, bem como o consumo da droga em cada esquina na própria capital federal, não se pode associar a cocaína que não produzimos às Farc que o PT apóia, porque seria puro e reacionário sacrilégio de direita.

Suscitar, indevidamente, as mortes de Celso Daniel, Toninho do PT e a mais recente, de Yves Hublet – verdadeiro Vladmir Herzog da atualidade – mas que a covardia suprema de nossa imprensa não quis nem investigar, é coisa de maluco, daqueles que veem conspiração em baixo da mesa. Afinal, Hublet, que deu umas bengaladas no Zé Dirceu, voltou da Europa, foi preso por nossas autoridades, ficou incomunicável e repentinamente morreu de câncer. Ora, isso, no mínimo, é conversa pra boi dormir e querem que alguém engula? Naturalmente, nenhuma ONG cevada com dinheiro do governo tentaria interferir para a restauração da verdade...

Estamos vendo no Brasil o mesmo clima de 1933, na Alemanha, quando da ascensão do Partido Nazista dos Trabalhadores Alemães. Ai de quem conteste a hegemonia podre que está sendo aqui desenhada! Assistimos ao mesmo molejo na população: todos desfibrados, querendo livrar o pescoço e obedecendo ordens, até que o pior aconteça... “Pior do que ta não fica...” – disse até alguém que talvez seja o mais votado entre os deputados do novo país...

Os malandros todos acham que se salvarão, na galera do poder. A candidata do presidente acomodará a todos, irmãmente, e a oposição, rarefeita, viverá a pão e água e pensará em aderir, se puder, ou no exílio, se puder também...

Caminhamos, enfim, para uma acomodação aos fatos. Com a vitória da memória curta e sem qualquer defesa que nos ampare. O povo conquistou, enfim, o paraíso do contrafilé e esqueceu, de vez, o frango. Longa vida ao analfabetismo político...
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*Waldo Luís Viana é escritor, economista, poeta e logo vai chamar o ladrão...

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