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sexta-feira, 2 de março de 2012

Publicado em O Estado de S. Paulo,


Os chineses na OMC

José Pastore

Estive na China. Queria ver de perto como é o trabalho lá. Afinal, o país vai entrar na OMC que, indiretamente, exercerá pressões no campo trabalhista.

A China consegue produzir a preços inacreditáveis. Para os chineses, uma camisa custa o equivalente a US$ 1.00; uma calça, US$ 3.00; meio quilo de carne, US$ 1.00; um quilo de arroz, US$ 0,25; um litro de gasolina, US$ 0,40.

Comprei em Beijing uma seda maravilhosa e, na própria loja, mandei fazer um paletó esporte, que foi entregue no dia seguinte, com excelente acabamento, por cerca de US$ 57.00 – incluindo fazenda e feitio! Achei um bom negócio até chegar em Xangai onde, longe dos turistas, podia ter pago US$ 35. A China tem preços imbatíveis.

Fiz questão de visitar a oficina do "alfaiate": era uma salinha, longe da loja, onde duas mocinhas, funcionárias públicas, trabalham à noite, para reforçar a renda. Milhões de chinesas fazem a mesma coisa. É duro competir com esse sistema.

Para compreender o trabalho na China, cheguei com uma enorme lista de perguntas. Saí com outra maior. A realidade é complexa. A abertura da economia, apesar do tempero chinês, está mudando o trabalho.

A população economicamente ativa é de quase 700 milhões de pessoas – 450 milhões no campo (onde não há dados fidedignos), e o restante nas cidades.

Na China urbana, o trabalho é exercido em órgãos do governo, empresas estatais, firmas coletivas, "joint-ventures", companhias estrangeiras, empresas familiares e atividade autônoma. É uma teia de relações complexas, bem diferente da homogeneidade dos tempos de Mao, quando todos os chineses eram empregados do Estado.
Hoje, há uma mistura indecifrável. A legislação trabalhista foi reformada em 1994. Tem uma feição moderna. O trabalho infantil é crime; a jornada de trabalho é de 8 horas por dia e 40 por semana; os sindicatos, além de negociarem com as empresas, denunciam os administradores que violam a lei. O salário mínimo é fixado por localidades.

No setor público, nas "joint-ventures" e nas empresas estrangeiras, a lei é seguida à risca. Ali, além do salário, os empregados recebem, vários benefícios.

Mas, ao lado disso, há cerca de 60 milhões de pessoas que, anualmente, saem do campo para as cidades, onde passam a trabalhar 12, 14 e até 16 horas por dia, na informalidade, em empresas familiares ou como autônomos. Como ninguém pode mudar sem ter um emprego garantido no local de destino, essas multidões se acomodam ilegalmente nos subúrbios, e pedalam suas bicicletas, todos os dias, até os locais de trabalho, nas áreas mais centrais. É uma imensidão incalculável.

Para complicar o quadro, muitos chineses trabalham uma parte do tempo no mercado formal, e, outra, no mercado informal, como as costureiras do meu paletó.

A estabilidade de emprego começa a acabar. As decisões centralizadas do comunismo inicial estão sendo substituídas por ações dos administradores das empresas, que passaram a levar em conta o desempenho dos funcionários e do empreendimento. Milhões de chefes e subordinados fazem cursos de atualização; os concursos passaram a ser condição para recrutar, premiar e promover os funcionários mais produtivos. Há uma febre de racionalidade no uso do fator trabalho.

Os chineses são muito adaptáveis, e trabalham com muito afinco. O respeito à hierarquia é total. Os conflitos são raros. A educação garante a aprendizagem das novas tecnologias. Trabalho barato, disciplinado e de boa qualidade tem sido o ponto de atração das 60 mil empresas estrangeiras que estão na China.


A economia chinesa é dinâmica, vibrante e animada. O país esbanja otimismo. Nos últimos 20 anos, a China cresceu 9%, em média. Este ano crescerá 8%. O comércio internacional (exportações e importações) é da ordem de US$ 350 bilhões. O país está investindo US$ 365 bilhões em infra-estrutura. As grandes cidades são modernas e atraentes. Contam-se aos milhares os prédios com mais de 50 andares. No interior, o investimento nas pequenas cidades é maciço, à espera dos camponeses que serão eliminados pela crescente pobreza do solo e pela entrada das tecnologias agrícolas.

O problema que mais atormenta os chineses é a perspectiva de faltar comida para alimentar 1,3 bilhão de habitantes. Eles não escondem a inveja que têm da abundância de terra fértil, sol e água, que podem tornar o Brasil o celeiro do mundo.

Afinal, a China terá de importar cerca de 300 milhões de toneladas de alimentos no ano 2010. Que oportunidade para o Brasil!

Voltando à questão do trabalho, quando perguntei o que farão os chineses, diante de exigências internacionais para, pelo menos, respeitarem os direitos humanos no campo trabalhista, eles disseram ser esse um problema doméstico, e que, do Ocidente, desejam importar bens e serviços, e não valores sociais ou filosofia de vida!

Foi um choque. Concluí que os chineses na OMC vão esquentar ainda mais a guerra comercial atual.

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