Rodrigo Constantino, para a revista VOTO
Chegamos ao fim da primeira década do novo milênio. Em busca de alguma expressão que traduzisse de forma sucinta este período, veio à mente o título acima. Foram fortes emoções, sem dúvida. Quando voltamos nossa memória para o começo da década, parece que já se passou uma eternidade. Ataques terroristas, guerras, o estouro de bolhas financeiras, o despertar definitivo do dragão chinês, o que não faltou nesta década foram fatos globais extraordinários.
Logo no começo dos anos 2000 veio o estouro da bolha de internet, afetando o mundo inteiro. O índice de ações Standard & Poor’s, das 500 maiores empresas americanas, perdeu metade de seu valor em poucos meses. Em seguida, os terroristas da Al Qaeda, liderados por Osama Bin Laden, iriam gravar na memória do mundo todo o dia 11 de setembro de 2001, com as imagens assustadoras das torres gêmeas do World Trade Center desabando.
Era o modelo ocidental que estava sendo atacado pelos muçulmanos fanáticos, e em pouco tempo inúmeros países, sob o comando dos Estados Unidos, fariam uma custosa e questionável guerra contra o regime de Saddam Hussein no Iraque, após o ataque ao regime Talibã no Afeganistão. O “choque de civilizações” entrava no topo da pauta de debates, esquentando as divergências geopolíticas mundo afora. O clima era de intenso medo e de profundas incertezas acerta do futuro.
Com um cenário tão delicado para a economia americana, seu banco central, o Federal Reserve, colocou a taxa básica de juros em 1% ao ano, e assim a segurou por longo período. Esta medida talvez seja a causa isolada mais relevante para a bolha imobiliária que tomou conta do país e se espalhou pelo mundo. A euforia venceu o medo, e os “espíritos animais” foram aguçados de forma impressionante. Todos sonhavam com a casa própria, e seu preço parecia ter uma única direção. Os refinanciamentos com taxas reduzidas e o valor do ativo cada vez maior fizeram com que a especulação imobiliária saísse do controle.
Entrementes, o dragão chinês tinha acordado e estava com fome de recursos. Com farta mão-de-obra barata, a China exportava produtos manufaturados para o mundo todo, especialmente para os ávidos consumidores americanos, regados de crédito barato. A simbiose parecia perfeita: as formigas chinesas trabalhando duro para acumular capital, enquanto as cigarras americanas cantavam as maravilhas da globalização. O mundo é plano! E os índices de inflação, a despeito desta pujança toda, não incomodavam muito, justamente porque a China estava “exportando deflação” com seu choque de produtividade. Os “clarividentes” do Fed estavam impressionados com o paradoxo. A festa pode continuar!
Mas as leis econômicas inevitavelmente cobram sua fatura. A farra tinha que acabar. O castelo era, afinal, de areia. A bolha acabou estourando em 2008, lançando o mundo todo num estado de pânico. O super ciclo de endividamento parecia ter chegado ao fim. Os especuladores, principalmente os mais pobres, descobriram que o preço das casas também pode cair, e que, quando isso ocorre em cima de uma pilha de hipotecas, o valor da dívida pode superar muito o valor do ativo. A realidade não é tão linda quanto o sonho. Milhões perderam suas casas e seus empregos. O Fed teria que agir novamente. A ressaca incomoda, logo, é preciso permanecer embriagado.
Mais liquidez foi injetada nos mercados, a taxa de juros foi para zero, bancos tiveram que ser salvos, pacotes de centenas de bilhões foram aprovados para estimular a economia. Não obstante, os Estados Unidos terminam a década com desemprego próximo aos 10%. O S&P 500 ainda está uns 15% abaixo do valor do começo da década, em termos nominais! A inflação acumulada no período, medida pelo CPI, chega a 30%. Em outras palavras, as ações das principais empresas americanas perderam quase a metade de seu valor real na década. Pode-se até falar numa espécie de “japanização” dos Estados Unidos. Uma década perdida.
A Europa tampouco se saiu melhor. Ao contrário: seu modelo de Estado de Bem-Estar Social contribuiu para jogar mais lenha na fogueira. Com carga tributária absurdamente elevada, endividamento público elevado, rigidez nas leis trabalhistas e inúmeros privilégios irrealistas garantidos pelo governo, os países europeus enfrentaram dificuldades mais graves ainda. A Comunidade Européia chega ao final da década sem saber se sua moeda comum, o euro, vai sequer sobreviver. Alguns países, como Grécia e Irlanda, estão totalmente quebrados.
E o Brasil nesta história? A década se confunde com a Era Lula, uma vez que foram oito anos de gestão do presidente petista. Em termos econômicos, o resultado não foi dos piores. Mas poderia ter sido infinitamente melhor! Na verdade, o cenário externo descrito acima não foi ruim para países emergentes exportadores de commodities como o Brasil. Sem oportunidades de crescimento e bons retornos nos países mais desenvolvidos, e com a China sedenta por recursos naturais, países como o Brasil se destacam como boas opções relativas. A economia brasileira surfou uma grande onda internacional, pegando carona no espetacular crescimento chinês.
O grande mérito do presidente Lula foi não ter estragado a “herança positiva” das reformas macroeconômicas de FHC. Contrariando os petistas aliados e seu discurso histórico, Lula colocou na presidência do Banco Central um banqueiro que foi presidente de um banco americano. Além disso, Lula soube preservar o superávit fiscal, ao menos até o último ano de mandato. Depois ele deixou as eleições falarem mais alto, e no ímpeto de eleger sua candidata, colocou em risco seu legado razoável na macroeconomia.
Já no âmbito da microeconomia pouca coisa foi feita. As leis trabalhistas continuam as mesmas da era fascista de Vargas, as máfias sindicalistas conseguiram concentrar mais poder ainda, e a burocracia continuou asfixiante. Nenhuma reforma importante foi realizada. A carga tributária cresceu e os impostos permaneceram complexos, a Previdência Social segue insustentável, uma verdadeira bomba-relógio, e a reforma política não saiu do papel. Enquanto isso, o governo aumentou o inchaço da máquina estatal e expandiu de forma preocupante o crédito público. Em termos gerais, podemos resumir da seguinte forma: a economia brasileira cresceu a despeito do governo Lula, e não por causa dele. Uma incrível oportunidade foi perdida, uma vez mais.
Na esfera das liberdades individuais, o governo Lula representou um claro retrocesso. Diversas tentativas de censurar a imprensa foram feitas, tais como CNJ, Ancinav, Cofecom, PNDH-3 etc. As instituições básicas da democracia foram aparelhadas pelo partido do presidente. A politização chegou até a Receita Federal, e um simples caseiro teve seu sigilo quebrado para atender aos interesses do então ministro Palocci. Em termos de corrupção, a década foi marcada pelo escândalo do “mensalão”, um dos capítulos mais nefastos da história de nossa república.
Tudo isso acabou ignorado nas últimas eleições. O fator econômico falou mais alto, o que é preocupante para o futuro de nossa democracia. Isso sem falar que o próprio crescimento econômico não é sustentável nestes patamares sem as devidas reformas e contenção dos gastos públicos. A década que acaba foi marcada por fortes emoções. Mas arrisco dizer que a década que se inicia dificilmente ficará atrás neste quesito. Preparem os corações!
posted by Rodrigo Constantino
sábado, 20 de novembro de 2010
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