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domingo, 7 de novembro de 2010

O que faltou na fala de Lula

EDITORIAL O Estado de S.Paulo

Pode ter soado como uma manifestação de grandeza - ou de cavalheirismo em relação à sua sucessora Dilma Rousseff - o apelo que o presidente Lula fez à oposição na entrevista conjunta de ambos, esta semana. A coletiva, aliás, foi convocada às pressas, na tentativa de pôr um freio de arrumação nas especulações sobre o futuro Ministério e a interferência do presidente na sua formação. Daí o seu empenho em avisar aos interessados que "somente ela pode dizer quem quer e não quer".

Perguntado sobre o que espera de agora em diante da oposição, Lula pediu que ela virasse a página. "A Dilma é uma outra pessoa", assinalou. Contra ele mesmo, "não tem problema, podem continuar raivosos do jeito que sempre foram". Mas, depois que ela assumir, aconselhou, a oposição deveria ter a compreensão de não fazer o que chamou "política do estômago, da vingança, do trabalhar para não dar certo". E completou com uma referência ao imperativo de ser "a mais harmoniosa possível" a relação entre a União e os governos estaduais, 10 deles em mãos oposicionistas.

Tomada pelo seu valor de face, a exortação seria convincente ou, melhor ainda, prova de que Lula completou o percurso da atitude de confrontação furiosa, com que ingressou na vida pública, à aceitação da civilidade como ideal a ser buscado no relacionamento entre as forças de cada lado da divisa política. Pena que não tenha aproveitado o momento para reconhecer que ninguém superou o seu partido, sob o seu inconteste comando, em matéria do que agora diz condenar. Movido a vingança, o PT de Lula fez tudo, durante 8 anos, para que o governo Fernando Henrique não desse certo.

À omissão, ele adicionou uma contrafação. A história da era Lula está aí para que se esqueça que a oposição sofreu não poucas críticas pela falta de contundência com que se comportou diante do primeiro homem do povo a dirigir o País. Quaisquer que tenham sido os seus motivos, o PSDB e o então PFL ensarilharam as armas - a rogo de interlocutores do Planalto - quando o marqueteiro Duda Mendonça contou na CPI dos Correios, em agosto de 2005, que os R$ 10,5 milhões que cobrou por seus serviços na campanha petista de três anos antes foram pagos com dinheiro de caixa 2 em conta secreta no exterior.

Das evidências surgidas no escândalo do mensalão, nenhuma outra atingiu Lula tão frontalmente, e, ainda assim, a oposição "maneirou". Talvez tenha até feito a coisa certa, para evitar uma crise que no limite seria institucional. Seja como for, falta ao presidente autoridade política, que dirá moral, para pôr o dedo no nariz da oposição, acusando-a de uma conduta que foi, isso sim, dele, dos seus companheiros de legenda e das organizações a ela vinculadas. "A oposição que Lula teve é a que todo presidente pede a Deus", resume o vice-líder do PSDB no Senado, Álvaro Dias.

Como diria a então candidata Dilma antes de ser advertida para não falar difícil, o presidente tergiversou também quando lhe perguntaram se a ampliada maioria governista no Congresso deixará a sucessora menos refém de "oligarquias do Nordeste". Diante dessa alusão à fraternal relação de Lula com o soba maranhense José Sarney, ele deitou falação sobre o que seria "a lógica do jogo" - as servidões da política que obrigam os governantes a se entender com quem o eleitorado mandou para o Legislativo e não com quem eles gostariam que tivessem mandado.

Pondo a mão no ombro de Dilma, disse que "ela vai ter que conversar com o companheiro do PC do B e com o Tiririca", como se exemplificassem os oligarcas a que se associou gostosamente, a pretexto da "governabilidade", para consolidar o seu poder e fazer a sucessora. Outra falácia conveniente a que recorreu foi a de que "o Congresso é a cara, a síntese da sociedade". Todo Parlamento é uma das caras possíveis de uma nação. A face que prevalece resulta em ampla medida do sistema eleitoral. As suas regras podem ampliar ou, como no Brasil, restringir a representatividade - só 35 dos 513 novos deputados federais se elegeram com os próprios votos.

Se assim não fosse, a reforma política que Lula defende seria desnecessária. Mas cobrar coerência dele já é demais.

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