A UPEC se propõe a ser uma voz firme e forte em defesa da ética na política e na vida nacional e em defesa da cidadania. Pretendemos levar a consciência de cidadania além dos limites do virtual, através de ações decisivas e responsáveis.


sexta-feira, 26 de março de 2010

No silêncio da lei

MÍRIAM LEITÃO

Há mais de ano o presidente Lula e a ministra Dilma transformaram o governo em uma campanha eleitoral permanente. São eventos sucessivos na cara da Justiça Eleitoral, que não fixa parâmetros, não estabelece limites, não vê o evidente. O PAC II — que será anunciado com apenas 11% do PAC I concluído — é mais um dos desafios às leis, que permitem campanha apenas a partir de 5 de julho.

Existem governos que usam a máquina pública em campanha disfarçada. Alguns são punidos, a maioria, não. Algumas punições são ágeis, a maioria, não. Agora é pior. Não é o caso mais de falar em pré-campanha. O que está acontecendo é uma descarada campanha. Qual é o motivo de se “lançar” um programa com o outro tão inconcluso? E fazer isso na última semana em que a ministra Dilma Rousseff estará no governo? É mais um palanque.

Obras são inauguradas para voltarem a ser canteiros, assim que termina a passagem do presidente com sua candidata, como mostrou a “Folha de S. Paulo” no domingo.

No levantamento do jornal, 60% das obras inauguradas não estavam prontas, uma não tinha sequer licença ambiental. O “Estado de S. Paulo” de ontem informou que relatórios do comitê gestor do PAC, analisados pelo site Contas Abertas, mostram que 54% dos projetos listados sequer saíram do papel; 35% estão em andamento e apenas 11% foram concluídos.

O GLOBO revelou no domingo o tamanho da conta que ficará para o sucessor com obras não concluídas do PAC: R$ 35,2 bilhões, contratadas entre 2007 e 2010, mas que não foram executadas, nem pagas.

Os restos a pagar já somam R$ 25 bi e vão subir 40% até o fim do ano. Mesmo com inadimplências no cumprimento de prazos e orçamentos no primeiro plano, o governo vai “lançar” o segundo, para ter novo palanque.

Na campanha da reeleição, em 2006, o TSE proibiu peças publicitárias do governo que embutiam propaganda eleitoral.

Foram proibidas propagandas da Embrapa, Projeto Rondon, Brasil Sorridente, Olimpíadas da Matemática, Disque INSS e várias outras.

As decisões atingiram a administração direta, indireta, autarquias e fundações.

Atingiu até um programa da CUT que fazia uma declarada campanha em favor do presidente Lula. A ação enérgica do TSE é a única forma de criar parâmetros e prevenir novos abusos.

Desta vez, tudo está sendo aceito. Até uma pesquisa de opinião contratada por R$ 1 milhão pela Secretaria da Mulher. A secretaria, de parcos recursos, alega que quer saber as razões da sub-representação feminina no Parlamento. Como o problema é velho como o diabo, pode ser feita em qualquer época em que não haja o risco de uso indevido de pesquisa paga pelo orçamento público. No evento da Secretaria da Mulher, foram distribuídos leques com as fotos de Lula e Dilma dizendo “ele é o cara, ela é a coroa”.

No discurso que fez no Rio na segunda-feira, o presidente Lula acusou os outros governos de “pequenez” e de não fazerem obras de saneamento porque não poderiam pôr o “nome da mãe ou da avó na manilha”. Mas o PAC há muito tempo tem excluído, como alertou o Contas Abertas, o saneamento da conta porque o desempenho nesse setor puxaria a média de execução para baixo.

Quando o governo é perguntado sobre a razão da exclusão, argumenta que são obras de prefeitura e estado. Ora, se é assim, por que o presidente aproveitou até um evento internacional para acusar antecessores de não fazerem obras de saneamento? Os números não sustentam a convicção do presidente sobre seu governo. Ele é tão ruim quanto os antecessores em saneamento, e é por isso que o Brasil tem um índice vergonhoso. Pelos últimos dados, o Brasil tem apenas 52% dos domicílios com esgoto, quatro pontos percentuais a mais do que no início do mandato.

No PAC II, o governo vai brandir o número R$ 1 trilhão de investimentos. É ilusionismo.
Vai somar o que poderá estar nos orçamentos dos próximos anos, acrescentar investimentos previstos pelas estatais, os que poderão ser feitos pelo setor privado.

E assim fabricará um número gigante, em que a menor parte é investimento público, mas parecerá, a quem não tenha tempo de olhar com calma, que só o continuísmo do atual governo garantirá tudo aquilo. Há muito tempo o setor público no Brasil investe muito pouco. Há anos em que não se chega a 1% do PIB, e isso não mudou no governo Lula. Só o fato de mais da metade desse número ser de obras ou possíveis investimentos do primeiro PAC já fica claro o truque: esconder o baixo desempenho, e inflar o número da suposta segunda etapa.

A lei diz que a campanha eleitoral começa em 5 de julho.

A partir de então, existem regras para o uso da máquina. O governo se aproveita de agora as normas serem difusas. O TSE bate cabeça.

Deu, num mesmo dia, dois veredictos: em um multou o governo por propaganda extemporânea, num evento em 29 de maio do ano passado, mas absolveu o governo em outra acusação idêntica.

O silêncio da Justiça, e suas hesitações, convalidam o comportamento abusivo. Cada dia sem parâmetros dá ao governo mais desenvoltura. O auge do abuso tem data marcada: será segunda-feira, no lançamento do chamado PAC II.

Nenhum comentário: