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quinta-feira, 6 de maio de 2010

Esquerda versus liberdade

D. João de Orleans e Bragança

O GLOBO
06/05/2010

Amaior luta do homem sempre foi pela liberdade, uma luta maior do que por um prato de comida. Quem é livre tem o maior instrumento para a sobrevivência física e moral, já um prato de comida sozinho não se sustenta, ao contrário, muitas vezes ele é usado para calar a boca dos que pensariam em lutar por liberdade. Mas a experiência diz que a liberdade de dizer o que se pensa, a política e a religiosa, é a base para o entendimento, a tolerância e o convívio pacífico com minorias. E não por acaso os maiores conflitos da Humanidade se deram pela intolerância com a imposição de uma nova cultura e de uma nova religião. Dessa forma ocorre uma desestruturação social e perda de identidade de uma etnia, de uma comunidade, resultando na fragilidade, na submissão. Tanto o Estado ateu quanto o teocrático têm horror e medo da liberdade.

Página virada na América Latina, infelizmente as ditaduras insistem em voltar mascaradas de esquerda. Nos anos 70 o patriótico discurso da esquerda tinha a democracia e a liberdade como valores - a partir deles teríamos melhor distribuição de renda, eleições, sindicatos e imprensa livres. Decepcionava-me que muitos tinham como modelo a União Soviética, a China e Cuba, países onde acontecia o oposto, repressão, censura, execuções sumárias e ditadura que como todas, de esquerda e de direita (tem diferença?), tinham líderes entorpecidos pela soberba.

Havia sim, nesses países, grandes avanços na saúde pública, na alfabetização e na formação profissional, não na educação que pressupõe aprendizado com liberdade e não doutrinação ideológica. De qualquer forma, Fidel Castro e Cuba foram um sonho de justiça social e coragem para toda uma geração que acreditava que o mundo podia mudar para melhor. Um contraponto ao capitalismo selvagem e aos valores consumistas do american way of life decadente.

O frustrante para aqueles que acreditaram é que parte da esquerda desde a Revolução Francesa e da Declaração dos Direitos do Homem, até hoje, vive em eterno conflito entre as liberdades e os métodos utilizados e aceitos, de poder e governo, totalmente distantes do discurso. Importantes lideranças de esquerda e intelectuais estão calados no Brasil, não têm a coragem de discordar de seus mitos. Os aplausos pelos enormes avanços sociais junto ao crescimento econômico devem vir junto à crítica em voz alta à corrupção ostensiva e aceita, e às alianças com o que há de mais podre na política brasileira.

Esta mistura de respeito cego e submissão impossibilita qualquer condenação quando dois lutadores cubanos são mandados de volta a Cuba em avião venezuelano a toque de caixa. Ou quando se finge acreditar que em Cuba não tem prisioneiros políticos e a morte de Orlando Zapatta por greve de fome é jogada para debaixo do tapete. Hoje, ali, a luta de Davi x Golias é representada pela pequena grande mulher Yoani Sánchez x Irmãos Castro. Não há coerência. E o que se pode esperar de lideranças sem coerência? A legitimidade de um governante nasce na transparência, na obediência às leis e na aceitação de que nós falhamos e precisamos escutar e se curvar ao coletivo e às instituições, que são o melhor instrumento de representação e continuidade.

Conselhos de Jornalismo, Agência Nacional de Audiovisual, Controle Social dos Meios de Comunicação, Programa Nacional de Direitos Humanos são nomes pomposos entre linhas traiçoeiras aos direitos alcançados nos últimos 25 anos. Espero que os que insistem se convençam que nenhuma sociedade avançará com sustentabilidade em conquistas sociais, humanas e econômicas sem o convívio pacífico e ordenado com a pluralidade de opiniões.

Convençam-se que o Brasil, com as bases lançadas pelo governo do presidente Fernando Henrique Cardoso e o pragmatismo do presidente Lula, fez uma das maiores distribuições de renda do mundo nos últimos 15 anos, sem rupturas com liberdades. Que a luta de classes sonhada por Marx nunca existiu, sempre foi uma troca de elite no poder. Que o fortalecimento das instituições é o caminho mais seguro para todos os valores que a esquerda democrática sempre defendeu. E que o culto à personalidade, a mitificação de lideranças e a omissão é o caminho mais curto para o autoritarismo.

D. JOÃO DE ORLEANS E BRAGANÇA é fotógrafo.

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