Um ministro de Estado ou do Supremo continua a ser uma autoridade mesmo tomando um Chicabon ou dando pipoca aos macacos. Imaginem, então, com um copo na mão!
14/08/2012
às 6:59
Contam-me uma cena
interessante. O poderoso estava no Piantella, o restaurante dos poderosos de
Brasília, de propriedade de Kakay — o advogado Antonio Carlos de Almeida Castro,
que defende um dos mensaleiros —, e, num dado momento, já tomado pelo espírito
do álcool, anunciou: “Aqui eu sou eu, não sou autoridade”. Não obstante, o carro
oficial o esperava na porta, com seguranças. Um homem público tem direito a uma
vida privada? Claro que sim! Mas menos do que qualquer um de nós, que não temos
poder nenhum. Não somos operadores de políticas de estado, não somos operadores
da lei, não representamos um conjunto de pessoas, não encarnamos as
prerrogativas de um Poder, não nos oferecemos, enfim, para ser notáveis da
República.
Um ministro do
Supremo deixa de sê-lo porque está numa festa? Não! Ele é um ministro do Supremo
numa festa. Um ministro do Supremo que toma uma taça de champanhe é um ministro
do Supremo a que se agregou uma taça de champanhe. Um ministro de estado que
toma duas taças de champanhe é um ministro de estado a que se agregaram duas
taças de champanhe. Um senador que toma dez taças de champanhe é um senador a
que se agregaram dez taças de champanhe, além de representar um risco para a
reputação da instituição a que pertence.
Sem essa! Os 11 do
STF — já que somos 190 milhões — têm, sim, de ser exemplos de retidão e de
virtude (e peço perdão pelas palavras antigas, fora de moda…). Espera-se deles
que se comportem com decoro. Não! Exige-se deles tal conduta. Até porque
continuam, na festa ou no recôndito do lar, a gozar de benefícios especiais, não
é?, que lhes confere a República — esta, afinal, é ciente do seu papel e de sua
importância.
É claro que estou me
referindo a José Antonio Dias Toffoli e aos episódios lamentáveis envolvendo o
jornalista Ricardo Noblat. Este não precisa da minha defesa, é evidente. Tem a
sua própria página para escrever o que achar que deve. Não é homem público. Se
alguém se desagrada do que ele escreve ou faz, basta não acessar mais o seu
blog. E pronto! O mesmo vale pra mim! “Ah, esse Reinaldo aí…” E pimba! Pode até
vir um daqueles palavrões com que o ministro brindou o jornalista. Basta não me
ler, e fica tudo certo!
Com Toffoli e com
qualquer outra autoridade da República, a coisa é diferente. Não podemos nos
livrar deles ainda que queiramos. Não dependem da nossa vontade para estar onde
estão. Sim, encontram-se inseridos na ordem democrática; também derivam da
representação — Lula, eleito pelo povo, indicou Toffoli para o cargo, e ele teve
o nome aprovado por senadores, que também passaram por processo eletivo. Mas é
evidente que cada um de nós não pode eliminar a autoridade, assim como um leitor
decide dar um pé no traseiro de Noblat ou de Reinaldo. Ainda que a gente não
queira mais saber de Toffoli — ou de qualquer outro —, eles continuarão a ser
quem são. E justamente porque derivam do processo de representação, sagrado na
democracia, estão obrigados a um decoro, sim!, também na vida
privada.
Em parte, e vou
repetir a crítica que já fiz aqui, a imprensa é culpada por isso. Anotem aí: não
existe nada parecido com Brasília em democracia nenhuma do mundo. Barack Obama
gosta de se referir a “Washington” como uma espécie de ilha de fantasia da
burocracia, mas é evidente que o centro do poder nos EUA está a léguas de
distância, nos costumes, do que se vê ali no meio do cerrado. Sabem quando se
vão encontrar numa mesma festa, numa feijoada, num casamento ou num convescote
um ministro da Suprema Corte e um advogado que tenha apresentado uma petição a
esta mesma corte? NUNCA! Curiosamente, também estava presente Sepúlveda
Pertence, o presidente da Comissão de Ética Pública da Presidência da
República.
O que estou a lhes
dizer é que se respira um ambiente ético em Brasília que é único no mundo. E a
imprensa, de maneira geral, tem se negado — com as exceções de sempre — a
retratar esse ambiente. Porque muitos de nós, os jornalistas, frequentamos esses
lugares para conversar, colher informações, saber dos bastidores — alguns vão
mesmo é se esbaldar, claro! Ocorre que, muitas vezes, a própria existência do
evento e as personagens que o abrilhantam são a notícia.
“Ah, então você acha
que jornalista pode falar com quem bem entender, mas não um ministro de estado,
um ministro do Supremo, um juiz?” Sim, é exatamente isso o que eu acho!
Escolheram ser homens de estado; escolheram nos representar. Nos EUA, como é
público e notório, o político perde o direito à privacidade de que desfruta o
homem comum. Por aqui, a franja ética é tão extensa que tudo, no fim das contas,
acaba sendo permitido. Só vira notícia aquele que é flagrado com a mão no cofre.
Ocorre que essa mão no cofre é uma consequência da falta mais geral de decoro e
de limites.
Lembro que Lula se
zangou quando resolveram noticiar os negócios supostamente privados de Lulinha,
o seu “Ronaldinho” dos negócios. Segundo ele, tentaram avançar na vida
particular do rapaz. Então vamos ver: a Gamecorp recebeu uma dinheirama da então
Telemar (hoje Oi), uma concessionária de serviço público, de que o BNDES, um
banco também público, era sócio. Assim como ministro da Suprema Corte nos EUA
jamais se confraternizaria com quem tivesse apresentado uma petição ao tribunal,
o filho de um presidente jamais faria negócio com uma empresa com essas
características.
Para
encerrar
Encerro lembrando um caso exemplar de como, na política, a vida privada e a vida pública devem estar unidas o bastante para que uma sirva de referência à outra e devem estar separadas o bastante para que uma não sirva para alavancar a outra. Às vésperas na nomeação de Toffoli, eu lhes contei aqui esta história.
Em 2007, o então
presidente dos EUA indicou Harriet Miers, 60 anos, para a Suprema Corte. Formada
em matemática e direito, era conselheira jurídica da Casa Branca, chefiava um
escritório de advocacia de 400 pessoas e era tida como uma das profissionais
mais influentes do país em sua área. Só que havia um problema: em 1994, enquanto
Toffoli era advogado de Lula aqui, Harriet era advogada de Bush, então
governador do Texas. Quando ele fez menção de nomeá-la para a corte, a grita nos
EUA foi tal — INCLUSIVE DOS REPUBLICANOS — que o presidente americano foi
obrigado a retirar a sua indicação. Como as coisas por lá funcionam de outro
modo, Harriet pediu demissão também da função de conselheira. A imprensa não
perdoou: considerou simplesmente inaceitável, embora não fosse ilegal, que uma
ex-advogada do presidente fosse parar no cargo mais alto do Judiciário
americano. Sim, ela era qualificada, mas ficaria parecendo ação entre amigos, e
uma República repudia isso.
Entenderam? No
Brasil, o ex-advogado do PT, ex-advogado de Lula, ex-subordinado de José Dirceu,
ex-sócio do escritório que teve três mensaleiros como clientes e atual
companheiro estável da advogada de um mensaleiro não vê motivos para se declarar
impedido de participar do julgamento.
O país não tem as
mazelas que tem por acaso. Não! Não é por culpa desse ou daquele em particular,
mas da tolerância com a lambança. Lembrei, então, naquela oportunidade que
Banânia entrou no século 19 como a maior economia das Américas. Entre 1800 e
1900, seu PIB passou a ser um décimo do PIB dos EUA. Por quê? Porque fomos
criando, como nação, instituições ruins. Elas nos empobrecem ou tornam nossas
vantagens irrelevantes.
O maior crime dos
petistas não foi o escândalo do mensalão, dos aloprados ou sei lá o quê. O maior
crime do PT foi e é tentar transformar essa sem-vergonhice numa categoria
política e numa categoria de pensamento de… resistência! E nada escapa, como se
nota, à sua fúria destruidora.
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