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sábado, 8 de outubro de 2011

UMA QUESTÃO DE COERÊNCIA

Margaret Thatcher, estadista inglesa, ensinava que na política, antes de tudo, é preciso assumir um lado. E persistir nele.

Durante toda a sua vida pública ela agiu de acordo com tal postulado.

Defendia a livre-iniciativa, a concorrência entre as empresas e a consequente redução do papel do Estado na economia e na sociedade. Manteve esse discurso mesmo quando os seus adversários trabalhistas pareciam invencíveis. Mas um dia chegou a sua vez: seu Partido Conservador venceu as eleições e ela chegou ao posto de primeiro-ministro. Governou por quase uma década e em momento algum abandonou as suas convicções.

Muito tempo antes, Winston Churchill, outro membro do Partido Conservador, foi ridicularizado por mais de uma década pelo fato de entender que o nazismo alemão representava uma séria ameaça às nações democráticas. Em 1941, com Londres em chamas, enfim o convocaram para dirigir a Inglaterra.O mesmo ocorreu nos EUA, com Ronald Reagan. Durante mais de 20 anos ele martelou o público americano com as mesmas teses: menor ingerência estatal na economia e maior poder de escolha para os indivíduos. A sua intransigente defesa desses princípios o fez ser menosprezado pela imprensa dita “esclarecida” e lhe custou até a indicação de seu Partido Republicano para concorrer à presidência do país – e isso lhe aconteceu em duas ocasiões.Mas um dia ele chegou lá. Conseguiu ser escolhido candidato dos republicanose empolgou a nação com as suas ideias. Foi eleito e reeleito presidente dosEUA.

Quando Margaret Thatcher afirmou a importância de se assumir um lado, referia-se tanto à esfera pública quanto à pessoal.

Eu me lembro de ter lido em algum lugar o argumento de que a ética existe atémesmo na guerra. O capitão do submarino alemão e o comandante do navio inglêseram, obviamente, inimigos. Mas algo eles tinham em comum: ambos se dispunham amorrer por sua pátria e cada um esperava do outro que morresse pela pátria dele,também. Mas o que aconteceria se algum deles tentasse propor um acordo? Talvezaté o conseguisse, mas estaria, assim, traindo não só o seu povo como também asua própria honra.

Alguns podem afirmar que em política é “diferente”. Não, não é. Os cidadãos que se dispõem a dar o seu voto a alguém precisam saber que ideias são defendidas por seu candidato. E também ter a segurança de saber que, uma vez eleito, ele se conduzirá de acordo com elas. E é do próprio senso comum que os
homens públicos se comportem assim.

Há no Brasil, ao menos, duas vertentes de pensamento que não entendem o jogopolítico dessa maneira.

Na falta de nomes melhores, vou intitular uma delas como “revolucionária” e a outra como “pragmática”.A primeira reúne todas as correntes que, no palco público, se identificam comos ensinamentos de Karl Marx. A segunda é aquela que tem em Maquiavel o seuprincipal mentor.Uma entende que moral e ética são conceitos criados pelas “classesdominantes” e não se pauta por eles. Matar, roubar, trair, qualquer conduta éválida desde que seja necessária para se chegar à “revolução” – na qual os“explorados” prevalecerão sobre os “exploradores”.

A outra também renega a moral e a ética porque entende que, na esfera pública, só logram ter êxito aqueles que praticam a política “exatamente como ela é”.

Estes últimos são os imorais. Já os primeiros preferem dizer-se“amorais”.

Qual é a diferença?

Uns reconhecem as regras morais, mas não se incomodam em transgredi-las. Osoutros alegam não existir moral alguma. Ambas as tendências, às vezes, seconfundem. E isso decorre do fato de que, para as duas, vale o preceito de queos fins justificam os meios.

Não existem escrúpulos em nenhuma delas. Ambas menosprezam a capacidade de discernimento dos indivíduos. Ambas entendem que cabe a uma minoria esclarecida o papel de dirigir as massas. Para as duas, apenas alguns poucos sabem distinguir o bem do mal.

Uns acreditam que é possível mudar tudo. Outros acham que não é possívelmudar nada.Felizmente, além desses “revolucionários” e “pragmáticos”, existem uns tantosoutros para quem a moral e a ética são valores que contam. E é com eles que procuram pautar a sua conduta. O conceito de honra, para esses poucos, é um princípio de vida. Como o são, também, a honestidade, o decoro e a dignidade.Todos esses atributos são pessoais. Dependem da índole de cada um e não podemflutuar ao sabor das circunstâncias. Somente assim se pode andar na rua com acabeça erguida.Uma velha raposa da política brasileira resumia esse conceito de uma formamagistral. Dizia ele que “quem se mexe muito não sai na foto”.Tudo bem, o liberalismo saiu de moda. Ainda mais depois da crise econômicanorte-americana de 2008. Nós, liberais, tivemos de revisar muitas de nossascrenças. A principal, entre elas, é a de que os mercados, deixados por sipróprios, acabam sempre se ajustando. Mas foi necessária a intervenção do Estadopara garantir a liquidez da economia. Para muitos liberais, esse baque foiequivalente ao sofrido pelos comunistas com a queda do Muro de Berlim.Muito do que pregávamos, de repente, caiu por terra. Mas na nossa vida – comonas nossas convicções – não ocorre a ninguém trocar de valores tão somenteporque outros aparentam ser mais convenientes.Eu, por mim, pretendo continuar a dizer as mesmas coisas. Não vou trocar deideia nem pretendo mudar de assunto: defendo uma sociedade aberta, com respeitoaos direitos de cada um e a confiança no juízo de todos.Chegará, um dia, a nossa vez. Até mesmo um relógio parado está certo duasvezes ao dia...

O Estado de S. Paulo, 07/10/2011

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