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quinta-feira, 27 de março de 2008

SILVIO PEREIRA E O ACORDO FEITO COM A PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA NO PROCESSO DO 'MENSALÃO'

Por Ana Paula Zatz

OS FATOS

24.08.07

1. Silvio Pereira, ex-secretário do PT, é acusado, no processo do 'mensalão', de ser integrante do núcleo principal da quadrilha.
Teria coordenado a distribuição de cargos públicos e recebido um carro de luxo de 'presente' da empreiteira GDK, que tinha interesses em contratos com a Petrobrás (o que lhe rendeu o apelido de "Silvinho Land Rover").

2. Denúncias feitas: peculato, corrupção ativa e formação de quadrilha.
(Segundo a denúncia do procurador-geral da República, Pereira "atuava nos bastidores do governo, negociando as indicações políticas espúrias que proporcionavam o desvio de recursos em prol de parlamentares, partidos políticos e particulares".)

3. Denúncia aceita pelo Supremo Tribunal Federal: formação de quadrilha.


24.01.08

4. O processo tramita na 2a. Vara Criminal da Justiça Federal em São Paulo, onde Silvio deve prestar depoimento.

5. A Procuradoria-Geral da República, no dia marcado para depoimento, toma a iniciativa de propor um acordo ao 'mensaleiro' prevendo a suspensão do processo por quatro anos e a suspensão de seus direitos políticos.

6. Silvio Pereira fez uma contraproposta, objetivando reduzir a suspensão para três anos e suprimir o item sobre os direitos políticos.

7. A contraproposta é aceita pela Procuradoria-Geral e encaminhada ao STF para homologação (acordo homologado equivale a decisão judicial). Silvio sequer presta depoimento.

8. Conseqüências do acordo firmado:
a) Silvio Pereira deve prestar 750 horas de serviço comunitário (que podem ser cumpridas em até três anos)
b) Silvio Pereira deve comparecer mensalmente perante 'alguma instância judicial' para informar e justificar suas atividades
c) Silvio Pereira não pode se ausentar da cidade em que reside por mais de 8 dias sem 'avisar' a Justiça
d) Silvio Pereira pode, mesmo no curso desses três anos, se candidatar a qualquer cargo eletivo
(Ele afirmou que não pretende se candidatar a nenhum cargo político, mas quer manter seus direitos políticos por uma questão simbólica - princípios??)
e) Fim do caso do mensalão para Silvio Pereira. Segundo ele, foi "feita Justiça. O resultado final [do acordo] é justo porque está previsto na lei. Estou muito contente com isso."

9. Foi atribuída ao mensaleiro a tarefa de "monitorar serviços públicos" (na subprefeitura do Butantã, zona oeste de São Paulo). De acordo com a Folha on-line, ele trabalharia "todas as quartas-feiras, das 8h às 12h, na zeladoria urbana -- apoiar e auditar as fiscalizações dos assessores distritais nos serviços realizados na região, que tem 80 obras em andamento." Entenderam?


12.03.08

10. Deveria ter começado a prestação de serviços.

11. Não compareceu alegando motivos pessoais para adiar o trabalho. Posteriormente, a supervisora de Gestão de Pessoal, Lucila Maioli, informou que Silvio alegou ter vocação apenas com "crianças e cozinha", serviços que não são prestados na subprefeitura do Butantã.

12. Foi necessário pedido do Procurador da República para que a Juíza da 2a. Vara o intimasse para que em 48hs começasse a cumprir sua parte no acordo.
(Na avaliação do procurador da República Rodrigo de Grandis, autor da manifestação (pedido), caso Pereira não iniciasse a prestação de serviços, o benefício da suspensão do processo deveria ser revogado.)


19.03.08

13. Silvio Pereira, após tomar conhecimento que a não prestação de serviços poderia acarretar sua prisão, começa a cumprir o acordo.

Não tive acesso aos termos do acordo. Os fatos acima compilados o foram com base no divulgado na imprensa, em especial na Folha, Estado, O Globo e Jornal Terra.



FUNDAMENTOS LEGAIS

1. Formação de quadrilha, conforme Código Penal:
"Art. 288 - Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes:

Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos."


2. Lei 9.099/95, com base na qual, segundo a Procuradoria-Geral, foi feito o acordo.
É a Lei que institui os Juizados Especiais Cíveis e Criminais.

a) competência dos Juizados Especiais Criminais:

"Art. 60. O Juizado Especial Criminal, provido por juízes togados ou togados e leigos, tem competência para a conciliação, o julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial ofensivo, respeitadas as regras de conexão e continência"

"Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa."


b) possibilidade de proposta de suspensão do processo:

"Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal).
...
§ 3º A suspensão será revogada se, no curso do prazo, o beneficiário vier a ser processado por outro crime ou não efetuar, sem motivo justificado, a reparação do dano."

c.c.

Código Penal
"Requisitos da suspensão da pena
Art. 77 - A execução da pena privativa de liberdade, não superior a 2 (dois) anos, poderá ser
suspensa, por 2 (dois) a 4 (quatro) anos, desde que:
I - o condenado não seja reincidente em crime doloso;
II - a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e personalidade do agente, bem
como os motivos e as circunstâncias autorizem a concessão do benefício;
III - Não seja indicada ou cabível a substituição prevista no art. 44 deste Código."



QUESTÕES PARA AS QUAIS AINDA NÃO TENHO RESPOSTA:

1. Apesar de inúmeras decisões nesse sentido, ainda não me convenço sobre a possibilidade de alguém ser denunciado por formação de quadrilha (associação de quatro ou mais pessoas para o fim de cometer crimes, segundo definição do próprio Código Penal) e não ser denunciado por nenhum outro crime além desse.

2. A Procuradoria-Geral existe para garantir o respeito aos direitos e interesses sociais e coletivos dos cidadãos brasileiros. Com esse acordo a Procuradoria cumpriu seu papel? As 750 horas de serviços, distribuídas em 3 anos, de fiscalização de obras atende a alguma necessidade pública ou, de algum modo, ressarce a sociedade? Por que manter os direitos políticos do 'mensaleiro'?

3. Qualquer advogado recém-formado, em faculdade de terceira linha, sabe que não se faz acordo sem cominação de penalidade para a hipótese de descumprimento.

Repito: não tive acesso aos termos do acordo, mas segundo o noticiado, o procurador da República Rodrigo de Grandis (autor do pedido de intimação para que Pereira iniciasse a prestação de serviços), 'avaliou' que 'se não desse início à tal prestação' o benefício da suspensão do processo deveria ser revogado.

Ora, na audiência em que foi firmado o acordo o denunciado saiu ciente dos seus termos. Sabia que deveria cumprir sua parte. Por que não foi prevista uma pena para essa hipótese? Se foi, por que não foi aplicada?

Independentemente disso, a Procuradoria justificou tal acordo com base no artigo 89, da Lei 9.099/95, a Lei que institui os Juizados Especiais.
Com efeito, o parágrafo 3o. do próprio artigo em que se fundamentou a Procuradoria, prevê que a suspensão será revogada se o beneficiário sem motivo justificado não reparar o dano. Não é uma possibilidade ('poderá ser'), mas uma imposição ('será').
No caso em questão, o benefício não foi revogado. Por que?

4. Bom, se o acordo foi proposto com base em artigo da Lei dos Juizados Especiais, é de se supor que o processo ali tramitava.
Ocorre que, por esse mesmo diploma legal (Lei 9.099/95), o Juizado Especial Criminal não teria competência para apreciar a questão, como acima transcrito:
O Juizado Especial Criminal tem competência para conciliar, julgar e executar infrações penais de menor potencial ofensivo (art. 60).
Menor potencial ofensivo são as contravenções e crimes para os quais a lei comine pena máxima não superior a 2 anos (art.61).
O crime aqui tratado, formação de quadrilha, tem como pena a reclusão de 1 a 3 anos (o que, até onde sei, é superior a 2).

Em resumo: ou o acordo foi feito na Justiça Criminal com base em Lei aplicável ao Juizado Especial Criminal ou, pior, foi feito no Juizado Especial que não teria competência para apreciar a questão.

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