Kátia Abreu - Capitalismo e espiritualidade
Folha de
S. Paulo 28/04/2012
A
perda do paradigma espiritual tornou o homem ocidental alheio aos mais
elementares padrões éticos
A CRISE
financeira de 2008, cujos efeitos ainda abalam os mercados -e se desdobram na
presente crise europeia-, não foi, como muitos sustentam, um sinal de
esgotamento do capitalismo.
Ou, na
síntese reducionista, "o muro de Berlim da direita".
O que fracassou não foi o capitalismo, mas o uso inadequado de suas regras mais elementares. A causa direta da crise foi a concessão, deliberada e irresponsável, de empréstimos hipotecários a credores sem meios de pagá-los, sobretudo com a alta dos juros.
Como se não bastasse, os agentes financeiros, para contornar o desastre, recorreram a novos artifícios desonestos, que apelidaram de "inovações financeiras", com o objetivo de alavancar suas operações sem ter de reservar os coeficientes de capital requeridos pelo Acordo da Basileia, cujo propósito era exatamente evitar o que se deu.
Esse
princípio se baseia na ideia de que a busca da riqueza não é problema e, sim, a
ganância para conquistá-la a qualquer preço.
Os
bancos norte-americanos chegaram ao limite. E, para piorar o que já não era bom,
decidiram securitizar os títulos podres, contra toda a ortodoxia econômica,
servindo-se da cumplicidade das agências de risco, interessadas em agradar a
seus clientes.
Trapaça
pura.
A crise
financeira norte-americana espalhou-se como metástase pelo mundo. Um de seus
efeitos mais claros foi expor a fragilidade da economia europeia, também marcada
por transgressões a fundamentos básicos da economia.
A crise
europeia decorre da fragilidade fiscal de países como Grécia, Portugal e Itália,
cujos governos gastam mais do que arrecadam. Os investidores já preveem um
"default" de seus títulos de dívida.
Na base
de toda essa confusão não está uma demonstração de inviabilidade do capitalismo.Ele foi
conspurcado, violado em seus princípios.
E a
saída tem sido problemática devido a outro fator básico, que extrapola a ciência
econômica, mas que sobre ela e toda atividade humana exerce influência vital: a
quebra de confiança. Sem ela, nenhum sistema se sustenta.
Credibilidade e confiança são valores que decorrem do
culto às virtudes, algo que se perdeu numa sociedade que confunde Estado laico
com Estado ateu -ou, pior ainda, antirreligioso.
De há
muito, a perda do paradigma espiritual tornou o homem ocidental alheio aos mais
elementares padrões éticos.
A
relativização dos valores levou-o a uma visão materialista e hedonista da
existência, estabelecendo comportamentos viciados, condutas desleais e
irresponsáveis, quando não simplesmente criminosas.
Dostoiévski tem a síntese perfeita, quando, por meio de
Ivan Karamazov, diz: "Se Deus não existe, tudo é
permitido".
É o que
se tem visto: Deus foi retirado da história.
Europa e Estados Unidos são civilizações erguidas sob os
valores do cristianismo, que moldou suas legislações e tradições. Hoje, esses
valores são renegados, sob o argumento do laicismo do Estado, que de modo algum
é incompatível com os valores espirituais.
A
ausência de qualquer referência às raízes cristãs da Europa no preâmbulo da
Constituição da União Europeia confirma a perda da referência espiritual de uma
civilização cujos momentos de esplendor se vislumbram, ainda hoje, nas
majestosas igrejas e catedrais góticas que fascinam turistas de todo o
mundo.
Ética
sem espiritualidade, sem a noção de um porvir em que todos serão julgados pelos
seus feitos, não passa de uma fachada.
Nesse
ambiente, a política, que a Grécia antiga considerava uma virtude, foi a
primeira a se desmoralizar. A economia veio em seguida. O que mais
falta?
Será que
o Brasil não está seguindo essa agenda laica e antirreligiosa, pautando suas
políticas pelos mesmos paradigmas que alimentam a presente
crise?
Desatento a isso, não chegará assim a lugar
melhor.
KÁTIA
ABREU, 50, senadora (PSD-TO) e presidente da Confederação da Agricultura e
Pecuária do Brasil (CNA)
http://sergyovitro.blogspot.com.br/2012/04/katia-abreu-capitalismo-e.html
Nenhum comentário:
Postar um comentário