A CPI, Cachoeira e a Delta. Ou: A Polícia Federal brasileira, herança de Márcio Thomaz Bastos, grampeia demais e investiga de menos. Melhor para os bandidos!
23/05/2012
às 6:50
Neste
texto, digo por que a CPI deveria ter duas subcomissões: uma para
investigar a contravenção e outra para investigar a Delta. Mas PT e PMDB
não querem. E também trato de um vício da nossa PF, adquirido com a
passagem de Márcio Thomaz Bastos pelo Ministério da Justiça: grampeia
demais e investiga de menos. Resultado: provas capengas. Analisem. Se
gostarem, divulguem.
*
Assistimos ontem a um triste e previsível espetáculo na CPI. É claro que os parlamentares não têm nada com isso. Carlinhos Cachoeira, instruído por Márcio Thomaz Bastos, uma figura única nas democracias do mundo inteiro — já expliquei por quê —, recorreu a seu direito de permanecer calado. Coube à senadora Kátia Abreu (PSD-TO) tirar o grupo da monocórdia letargia e encaminhar um requerimento para pôr fim àquela pantomima. Se Cachoeira e Bastos continuassem ali a ouvir as questões, os parlamentares seriam transformados em laranjas da defesa.
Como a CPI sai do enrosco?
Pois é… À diferença, suponho, do que escreve Elio Gaspari hoje num estranho texto chamado O Linchamento da Delta,
é evidente que a resposta passa por uma ampla investigação das ações da
construtora que era comandada até outro dia por Fernando Cavendish.
Gaspari acha que a pobre empresa está sendo linchada. Pois é… O antes
tão severo acusador de privatarias parece não ver nada de impróprio nem
mesmo na operação de venda da empresa para o grupo JBS, aquele mesmo que
se transformou, por obra e graça do BNDES, que decidiu financiar
“players” globais, em uma espécie de semiestatal. Não parece sentir aí o
cheiro da privataria. Vai ver os 30 mil empregados da Delta justificam o
“S” do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e… Social…
Vocês já
notaram que praticamente não há grampos que tratem das atividades que
primeiro deram visibilidade ao contraventor: o jogo? Lembro-me de um só
em que Demóstenes Torres e Carlinhos Cachoeira tratam da legalização da
atividade. Todos os outros se referem a obras públicas, licitações,
acertos, arranjos etc. E, invariavelmente, Cachoeira e seus asseclas
estão atuando em benefício da… Delta! Ocorre que, também
invariavelmente, o raio de ação de Cachoeira é restrito ao Centro-Oeste.
Pode até cuidar de uma questão ou outra mais geral, mas isso se devia
ao fato de ter Demóstenes como um operador no Congresso.
Ainda que
isso possa ofender o senso particular de lógica de Gaspari, que quer
proteger a Delta do linchamento, pergunto que motivos a empreiteira
teria para recorrer nos demais estados — o Rio, por exemplo — a métodos
distintos daqueles empregados no Centro-Oeste. Ou por que atuaria de
modo distinto nas suas relações com o governo federal. Resta evidente
que a empresa apenas usou, nas áreas que estavam no raio de ação de
Cachoeira, a estrutura que ele já tinha montada.
Se os
governistas da CPI quisessem mesmo trabalhar a sério, ao menos duas
subcomissões teriam de ser criadas: uma para analisar o Cachoeira como
contraventor. Essa atividade nada tem a ver com fraudes em licitações,
sobrepreços, roubo de dinheiro público etc. Trata-se um assunto
específico: contravenção. Outra subcomissão teria de cuidar dos negócios
da Delta e identificar onde estão os demais Cachoeiras. Aquele que
vimos ontem, vênia máxima, está mais para um matuto que enricou no mundo
do jogo. Tem de ser punido, sim, mas não me venham dizer que tem perfil
para “capo di tutti capi”. Não mesmo! Gente assim está, de algum modo,
um pouco mais preparada para a ribalta, ainda que costume atuar nas
sombras. Cachoeira mal conseguiu dizer, sem ser atropelado pela falta de
tarimba, o “eu me reservo o direito de permanecer calado”. Engrolava
fragmentos de frase que juntávamos com boa vontade.
Sócio ou
mero operador da Delta no Centro-Oeste, não importa, resta evidente que
ele não é o único. Os afoitos petistas — que viram a chance de criar uma
CPI para ter um “novo Arruda” na eleição de 2012 e tentar desmoralizar
imprensa, Procuradoria-Geral da República e, quem sabe, um ou outro no
Supremo — não se deram conta do monstro que estavam cutucando. E agora
assistimos a esse frenético bater de cabeças.
Boa parte do
establishment político sabe que está nas mãos de Carlinhos Cachoeira e
de Fernando Cavendish. Emissários do empreiteiro, que falam em nome de
um passado nem tão remoto, já estão forçando a memória de muitos,
lembrando os milhões jogados em campanhas eleitorais segundo o método
consagrado por Delúbio Soares: recursos não contabilizados.
O que falta
A presença de Márcio Thomaz Bastos como advogado de Cachoeira não deixa de ter seu lado irônico. Essa Polícia Federal fanática por gravações — e por vazá-las — é uma das heranças que Bastos deixou quando de sua passagem pelo Ministério da Justiça, pasta à qual está subordinado o departamento. Atenção! A PF brasileira — ou, se quiserem, a polícia brasileira — é, provavelmente, em todo o mundo democrático, a que mais grampeia pessoas. Da mesma sorte, o Judiciário brasileiro talvez seja o mais lasso na concessão de autorizações de grampo. Ainda que não fosse, os “Dadás” da vida o fazem por conta própria. E sempre há alguém interessado em comprar o material e sair divulgando por aí.
Pois bem: já
cansei de conversar com juízes que me dizem que os métodos de
investigação no Brasil estão se limitando a essa, se me permite, “xeretice“.
Vejam o caso de Demóstenes: parece-me muito difícil que escape da
cassação. Mas se produziu contra ele alguma outra prova além do festival
de gravações? Vai se produzir? Caso isso não tenha acontecido, é bom
saber que, na Justiça criminal, não existem punições políticas. Ora, uma
polícia que se contenta em ficar gravando pessoas, sem se ocupar de
produzir as provas dos crimes que as conversas sugerem, é tudo aquilo de
que precisam bandidos bem-sucedidos que podem pagar bons advogados. Os
policiais federais que levam a sério o seu trabalho sabem que estou
tratando de um problema real. O mesmo vale para a banda boa do
Ministério Público.
Dados o
tempo exíguo que tem para trabalhar, o tamanho do enrosco e o número de
pessoas que precisam ser ouvidas (e todas com direito de ficar
caladas…), duvido que a CPI possa avançar muito. Boa parte dos
parlamentares nem mesmo teve acesso à transcrição das conversas.
Sim, meus
caros, essa Polícia Federal supergravadora e supervazadora não é,
necessariamente, uma polícia que combate a impunidade porque ela
costuma, infelizmente, produzir poucas provas que um Bastos ou um Kakai
(advogado de Demóstenes) não consigam derrubar num tribunal. O juiz, por
mais indignado e convicto que esteja da culpa do réu, só vai condenar
com as evidências incontestes nos autos.
O grampo
deveria ser um suplemento, um elemento a mais, o adorno e o brocado de
um exaustivo trabalho de investigação. Em vez disso, tornou-se seu
principal elemento — quando não é o único. A consequência disso,
infelizmente, é a impunidade. Se não acreditam em mim, perguntem a
experientes advogados, policiais, promotores e juízes. Eles sabem que
estou certo.
Acabar com a impunidade requer muito mais do que ficar jogando para a torcida.
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