DIGRESSÕES A
PARTIR DOS VALORES DO ILUMINISMO FRANCÊS
:: FRANCISCO VIANNA
Quinta feira, 03 de maio de 2012
Liberdade, Igualdade e
Fraternidade, as três bandeiras do iluminismo francês, são noções acima
de tudo relativistas. Isso não é difícil de demonstrar em poucas palavras. A
liberdade é uma noção que não existe sob a forma absoluta. Não somos livres para
fazer o que nos dá na telha, ou seja, a liberdade de cada um termina onde começa
a liberdade do outro, mas não a ‘dos outros’. Isso quer dizer
que a liberdade individual pode e deve estar acima da liberdade de grupos ou de
estados.
A igualdade é uma ilusão. Ela não
existe na natureza, onde tudo é díspare e há diferenças até entre gêmeos
univitelinos. O valor a ser defendido é o de se limitarem as desigualdades
profundas, ou seja, a noção pela qual as pessoas não apresentem diferenças
abissais entre si ao ponto de privar algumas da sua dignidade humana nas
relações de convivência em sociedade. Isso significa realizar as ações básicas
de educação, ensino, e integração social em busca de uma cidadania
melhor, o que, infelizmente, a maioria dos estados tem falhado
miseravelmente em levar adiante. Sempre haverá os melhores e os piores, numa
escala de competência, de proficiência, de produtividade, de inteligência, de
participação social, e de valores morais e civilizacionais, mas também em termos
de esperteza, de corrupção, de malefícios em proveito próprio.
Só uma cidadania
progressivamente melhor do que a que existe, poderá cada vez mais separar o joio
do trigo, para que tais diferenças, em nome da desigualdade, mas também da
semelhança, não possam ser profundas e indignas.
A fraternidade é uma noção que se
refere a um sentimento muitas vezes frágil e efêmero. A verdadeira amizade, o
amor ao próximo, porquanto sejam as principais virtudes cristãs, “não podem ser
consideradas como base das leis e das instituições”, como dizia J. J. Russeau em
“Du Contract Social”, dada a sua característica de não se poder medi-las
ou quantificá-las. É difícil ter amigos que tergiversam e pensam de forma
diferente. Embora isso não seja impossível, exige antes de tudo um
grande respeito às diferenças, o que só se consegue com uma
cidadania melhorada e, sempre, em franco aprimoramento.
Todavia, embora esses valores
iluministas possam ser vistos como uma peça de marketing, idealizada para dar
autenticidade a uma revolução popular junto à opinião pública, elas serviram de
base para a formação de uma noção americana mais realista de liberdade,
igualdade e fraternidade, quando elas foram consideradas juntamente com a noção
de direitos e de deveres, como bases da lei no velho regime
representativo proveniente da Grécia antiga, a democracia.
Todas essas noções suscitam de
imediato a existência de direitos, mas os americanos (e em parte também os
ingleses) sempre condicionaram muito bem esses direitos aos deveres que os
consubstanciam.
Quando se alega um direito,
deve-se imediatamente averiguar qual o dever ou obrigação cujo cumprimento o
gera. Não existem direitos sem obrigações, sem deveres,
correspondentes.
Assim, por exemplo, não existe o
‘direito à vida’ para quem não respeita ou elimina a vida. Não é uma questão de
‘mores’, mas uma questão de ‘jus’. Não é o embrião que ‘tem direito à vida’, mas
a mãe que carrega o embrião no seu útero é que tem a obrigação, o dever, de
respeitar a vida que criou para que ambos obtenha o direito de continuar
vivendo. Em tese, é isso, embora os materialistas dialéticos discordem para
criar o poder do estado laico de permitir, legalizar, e até impor o aborto.
Tanto é assim que, quando um médico
coleta uma dúzia de óvulos de uma mulher para fecundação in vitro e em
seguida implanta em seu útero de três a cinco ovos assim obtidos, o que faz com
os demais embriões que sobraram? Deixa-os em criogenia para logo depois jogá-los
no lixo. E por que então não podem ser esses embriões serem usados pela ciência
para tratar doenças e salvar vidas? O lixo é mais
importante?
Enquanto os socialistas acreditam
numa ‘sociedade experimental controlada pelo estado’ apenas em teoria,
que sempre resultou em enormes tragédias nacionais, os americanos criaram uma
‘sociedade experimental capaz de controlar o estado’, na prática e com
base no respeito ao indivíduo e numa legislação que o protege do totalitarismo
intrínseco do estado.
As populações que acreditam que
haverá um líder salvador da pátria, um iluminado que conduzirá o povo rumo à
felicidade, serão sempre vítimas de déspotas, populistas, e demagogos e darão o
seu aval para as piores ditaduras que a humanidade já conheceu.
O regime político de uma sociedade
desenvolvida é a democracia meritocrática, com base na qualidade e não na
quantidade dos seus cidadãos, onde o estado tenha que se limitar a cumprir
apenas as obrigações que essa cidadania prescreveu em sua Carta Magna.
Para uma sociedade
subdesenvolvida ou primitiva, a Carta Magna ou não existe ou tem importância
secundária e é apenas uma ferramenta maleável do controle absoluto do cidadão
pelo estado.
Francisco
Vianna
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