EDITORIAL FOLHA SÃO PAULO
CPI do caso Cachoeira
se converte em espetáculo constrangedor, enquanto legalidade das investigações
da PF sofre contestação
Não poderia estar
mais desgastada a ideia do "decoro parlamentar". Mereceriam rubrica
especial, entretanto, certas infrações menores que se cometem no Legislativo,
como na CPI do caso Cachoeira.
Sem atingir
diretamente a moralidade pública, ou sequer a praxe desejável da conduta
política, fazem muito para submergi-la ainda mais no descrédito.
Participantes de uma
Comissão Parlamentar de Inquérito agora se dedicam a aplaudir investigados; foi
o que se viu nos depoimentos dos governadores Marconi Perillo (PSDB), de Goiás,
e Agnelo Queiroz (PT), do Distrito Federal.
Ao tucano, a claque
de oposicionistas ao governo do PT prestou homenagem. Chegada a hora do
petista, fez-se o mesmo -e a foto do líder do PT na Câmara, Jilmar Tatto,
apareceu na primeira página da Folha de ontem.
O entusiasmo teve
como motivo, entre outros, o melodramático anúncio feito por Agnelo Queiroz,
oferecendo acesso a seus dados bancários, fiscais e telefônicos.
"Não é usual o
que vou fazer agora", disse o governador, "mas não posso conviver com
desconfiança". A bancada situacionista e assessores do intrépido
administrador prorromperam em aplausos.
Ocorre que seu sigilo
já havia sido quebrado pelo Superior Tribunal de Justiça. O ato de Queiroz
visava simplesmente a colocar em situação embaraçosa Perillo, que se recusara a
franquear seus dados à CPI. Recusara-se, mas depois recuou. Recuou, mas não
totalmente, pois não disse com clareza a que dados se referia.
A desmoralização, que
já era grande, ganha assim componentes de teatro cômico. Mas ainda pesam
denúncias sérias sobre ligações dos governadores com o esquema liderado por
Carlos Cachoeira, envolvendo negócios e contratos com a construtora Delta (que
a CPI faz de tudo para preservar).
Um assessor de
Queiroz teria recebido celular à prova de grampo do grupo de Cachoeira.
"Ele me garantiu que não aconteceu", disse Queiroz à CPI. Aplauda,
quem puder, a explicação. Um vereador ligado a Cachoeira teria feito nomeações
no governo de Perillo; à CPI o governador nega ter atendido a tais pedidos.
Palmas para ele.
Uma derradeira
ovação, quem sabe, fica reservada à Polícia Federal (PF). Todo o caso Cachoeira
ameaça dissolver-se em vapores impalpáveis. No Tribunal Regional Federal, o
relator do processo que examina a legalidade das provas da Operação Monte Carlo
considera insuficientes os motivos que embasaram a escuta policial das ligações
dos envolvidos.
A decisão aponta,
mais uma vez, para possíveis abusos e leviandades da PF. Por falta de provas legitimamente
obtidas, tudo desaparece por encanto. Merecem de fato palmas, há de se convir:
tem sido primorosa a encenação.
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