Praça cheia, prisões também
22 de abril de 2012
:: YOANI SÁNCHEZ * -
TRADUÇÃO DE CELSO
PACIORNIK
Depois dos encontros na ‘Praça da
Revolução’, quando a multidão foi embora e se desmontaram as tribunas, alguma
coisa me faz lembrar o ator que limpa a maquiagem ao final do espetáculo. As
bandeirolas de papel jaziam atiradas ao chão, os caminhões carregavam as
barreiras metálicas e os técnicos retiravam com cuidado os equipamentos de som.
Nunca se viu mais vazia essa ampla esplanada
que há poucos minutos abrigou uma multidão. A impressão de vazio chega
invariavelmente, embora a multidão não tenha entoado palavras de ordem em coro,
mas murmurado rezas, e não haja concluído com um "venceremos", mas com um
"amém".
Logo depois que Bento XVI terminou a missa
em Havana e subiu no papamóvel, essa sensação de vácuo ficou ainda mais
acentuada. Os fiéis regressaram com a fé renascida a seus lares, os policiais
respiraram aliviados pela ausência de incidentes graves e os cárceres começaram
a se abrir.
Por toda Cuba, centenas de pessoas foram
detidas e impedidas de sair de suas casas para não se aproximarem dos lugares
onde o papa oficiaria suas homílias. Um informe – ainda inconcluso – da Comissão
de Direitos Humanos e Reconciliação Nacional contabiliza mais de 400 ativistas
levados a postos policiais ou retidos em seus domicílios. A envergadura e
eficácia de toda essa onda repressiva, popularmente chamada de operação "voto de
silêncio", mostra que ela foi preparada meticulosamente com semanas ou meses de
antecedência.
O país parecia em alerta máximo e não só
pelo transporte cortado ou pelos telefones sem serviço. Alguma coisa mais estava
sendo testada nessa visita. Em meio aos apertos econômicos em que vivemos, uma
ofensiva desse tipo deve ter deixado exauridos os cofres nacionais e
comprometida parte dos recursos necessitados com urgência em outros
setores.
'Dia
X'
Há mesmo quem assegure que a estada do papa
entre nós serviu para fazer um ensaio geral dos mecanismos coercitivos
preparados para o "DIA X". Assim é chamada popularmente a jornada em que se
anunciará a morte de Fidel Castro e para a qual tudo parece estar já preparado,
orientado.
Ao menos, já sabemos como transcorrerão as
primeiras 24 horas depois do magno falecimento: dissidentes atrás das grades,
comunicações cortadas e olhos à espreita em cada esquina. Como em qualquer
evento de prolongada sedimentação, essa viagem de Bento XVI a Cuba terá de
esperar algum tempo para que comecem a aparecer balanços conclusivos.
Ao menos, por enquanto, não nos consta que o
papa tenha se entrevistado com algum representante da sociedade civil
“ilegalizada”, embora tenha aceitado receber o convalescente ex-presidente
cubano, o nosso “Coma Andante”. O Santo Padre não teve um minuto para as
integrantes do grupo Damas de Branco, mas reservou quase meia hora para Fidel
Castro, que compareceu acompanhado de sua mulher e dois de seus filhos.
Coragem
Sua Santidade falou para uma Praça da
Revolução repleta de crentes e de não crentes, provavelmente em um momento em
que já estava informado do ‘expurgo ideológico’ que havia arrebatado numerosas
ovelhas de seu rebanho.
Por que não aludiu a elas na sua homília?
Qual foi a razão para ter evitado, no
aeroporto, algumas palavras de conforto aos que foram impedidos de chegar às
cercanias de seu báculo?
Naquele dia, o manto papal demonstrou que
não era capaz de proteger a todos os cubanos.
Um dos detidos dessas jornadas conta que o
levaram até uma cela de janelas tapadas no leste da capital. O momento da
detenção, em plena via pública, várias horas antes de o papa aterrissar em
Havana, parecia ter sido retirado do roteiro de um péssimo filme de ação.
Na cela para onde o recolheram, o preso ‘por
opinião’ encontrou outros três opositores detidos apenas por terem perguntado,
no posto policial, sobre o paradeiro de um colega.
Por um
pequeno furo que dava para a rua eles passaram a noite gritando números
telefônicos para que algum transeunte avisasse a suas famílias. Isso porque lhes
fora negado o direito de dar ao menos um telefonema. Através das grades, eles só
conseguiam ver os pés dos meninos que jogavam beisebol, os sapatos dos anciões
que iam ao bar e as delgadas patas dos cachorros. Durante a madrugada, repetiram
os mesmos números várias vezes até não terem mais voz para
continuar.
Eles ainda não conseguiram averiguar quem se
comunicou com seus amigos e parentes, mas quando foram libertados, alguns desses
já estavam informados das detenções. Talvez um desconhecido tenha ouvido aqueles
números que brotavam de um pequeno furo à beira da calçada e resolveu, então,
ser o mensageiro de tão urgentes recados.
Seja como for, muitos cubanos esperam
descobrir a maneira, o mecanismo, para informar ao pontífice o que ocorreu nos
bastidores de sua visita. Do lado de cá de uma persiana fechada, dentro de uma
cela vigiada ou numa praça tomada pela segurança do Estado, sempre pode restar
um furo através do qual lançar uma mensagem.
Será que a escutarão do outro
lado?
*
– YOANI SÁNCHEZ É JORNALISTA CUBANA, AUTORA DO BLOG GENERACIÓN Y.
EM 2008, RECEBEU O PRÊMIO ORTEGA Y GASSET DE JORNALISMO - O Estado de São
Paulo
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