Maria Lucia Victor Barbosa
10/03/2010
O presidente da República é um homem de sorte incomensurável. Deixou a vida o levar e o destino lhe foi radiosamente propício. Somente um pequeno azar obscureceu mês passado, de modo fugaz, seu prestígio internacional, nada que os terremotos que abalaram o Chile não pudessem providencialmente distrair as atenções da rápida urucubaca ocorrida em Cuba quando foi ofertar generosos US$ 300 milhões de dólares ao seu ídolo Fidel Castro, contribuição que será paga por nós, contribuintes brasileiros.
Justamente em 23 de fevereiro, dia em que Luiz Inácio aportava eufórico nos braços dos queridíssimos irmãos Castro, um cubano negro, operário, “preso de consciência”, de nome Orlando Zapata Tamayo, teve o mau gosto de morrer depois de ter sido torturado nas masmorras cubanas e enfrentado uma greve de fome com meio de pedir condições humanas para os demais encarcerados e liberdade para seu país.
O martírio de mais um cubano nem de longe poderia incomodar os irmãos Castros acostumados a esse tipo de morte para eles insignificante e rotineira. Entretanto, um grupo de dissidentes cubanos que esperavam que Luiz Inácio intercedesse por eles, tendo enviado uma carta nesse sentido ao governo brasileiro, devem ter se desiludido com a indiferença do “cara”, suas esquivas, suas palavras sem nexo. E mais decepcionados ainda devem ter ficado se puderam ver a foto de Luiz Inácio junto aos Castro.
Na fotografia estampou-se a imagem de um Luiz Inácio esbanjando largo sorriso eufórico, rosto delirante de júbilo, face mais arredondada por irradiante felicidade, um deslumbramento abjeto diante do grande companheiro Fidel enquanto o corpo martirizado de Orlando Zapara Tamayo esfriava no caixão e outros dissidentes eram presos.
A cena, para quem tem um mínimo de sensibilidade e capacidade de indignação, era algo vil, torpe, nauseante. Um show explícito de cinismo do déspota de Cuba irmanado ao salvador da pátria brasileiro. Aviso sinistro para os ingênuos que acreditarem no seletivo Programa de Direitos Humanos elaborado pelo PT, a ser posto em prática pela comissária de Luiz Inácio.
Luiz Inácio culpou Tamayo por sua morte. Marco Aurélio Garcia comentou com ares de enfado que violações de direitos humanos têm em toda parte. E Raúl Castro, depois de por a culpa nos Estados Unidos, afirmou: “Em meio século não assassinamos ninguém, aqui ninguém foi torturado”.
Nesse momento em que escrevo outro dissidente, o jornalista Guilhermo Fariñas, está em greve de fome e se dizendo disposto a morrer para honrar Orlando Zapata Tamayo. Recorde-se, então, de maneira sumária, dado o pequeno espaço de um artigo, como funcionam os direitos humanos em Cuba. Os dados foram pesquisados na obra “O Livro Negro do Comunismo”:
Desde 1959, mais de cem mil cubanos foram presos. Entre 15.000 e 17.000 pessoas foram fuziladas.
A Unidade Militar de Apoio à Produção (UMAP) funcionou entre 1964 e 1967. Produziu verdadeiros campos de concentração para onde eram levados religiosos católicos (como o arcebispo de Havana, Monsenhor Jaime Ortega), protestantes, homossexuais e quaisquer indivíduos considerados “potencialmente perigosos para a sociedade”. Maus tratos, isolamento, subalimentação era o regime dos campos da UMAP.
No violentíssimo regime penitenciário cubano, inclusive, são exploradas as fobias dos detidos. À tortura física se junta a tortura psíquica. As celas não costumam ter água nem eletricidade e o preso que se pretende despersonalizar é mantido em completo isolamento.
Entre as mais tenebrosas prisões cubanas pode ser citada a de Cabana. Em 1982 cerca de cem prisioneiros foram ali fuzilados. A “especialidade” de Cabana eram as masmorras de dimensões reduzidas chamadas de ratoneras (buracos de ratos). Cabana foi desativada em 1985, mas as torturas e execuções prosseguiram em Boniato, prisão de alta segurança onde reina violência sem limites.
No universo carcerário de Cuba a situação das mulheres não é menos dramática. Mais de 1.100 mulheres foram condenadas por motivos políticos desde 1959. As presas, entregues ao sadismo dos guardas passam por sessões de espancamento e humilhações de todos os tipos.
Muito mais se poderia apresentar sobre “direitos humanos” em Cuba. Encerremos, porém, com a nova piada do presidente Luiz Inácio. Entrevistado pela Associated Press sobre a existência de mais dissidentes cubanos em greve de fome Sua Excelência saiu-se com essa: “imagine se todos os bandidos que estão presos em São Paulo fizessem greve de fome e pedissem a liberdade”?
Como se nota primeiramente, Luiz Inácio concorda com os irmãos Castro no sentido de que presos políticos cubanos são bandidos de alta periculosidade para a sociedade e não defensores da liberdade. Segundo, ele não larga a campanha, pois bandido só em São Paulo. Culpa do Serra, naturalmente.
Luiz Inácio disse ainda, num chiste bastante cínico, que “temos de respeitar a determinação da Justiça do governo cubano de deter as pessoas em função da legislação de Cuba”.
Lamentavelmente o presidente do Brasil não se dá ao respeito.
Maria Lucia Victor Barbosa é socióloga.
quarta-feira, 10 de março de 2010
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