José Nêumanne
Chegaram ao noticiário político os primeiros sinais de que o sítio na internet para divulgar a candidatura oficial da ex-chefe da Casa Civil do governo Lula da Silva Dilma Rousseff (www.dilmanaweb.com.br), anunciado com espalhafato, está aí mesmo é para protagonizar, e não meramente para figurar na campanha presidencial. E, a exemplo de como bradava o Velho Guerreiro Abelardo Barbosa, o Chacrinha, não veio propriamente para explicar, mas, sim, para confundir.
O primeiro indício nesse sentido foi dado por ocasião do lançamento, na revista semanal da televisão Fantástico, da campanha publicitária do 45.º aniversário da Rede Globo. Uma demonstração de que a função da equipe que administra esse endereço eletrônico é disparar contra adversários e inflar a petista foi a acusação de que a monopolista de audiência no meio de comunicação mais popular entre as massas fazia propaganda subliminar do tucano José Serra.
Isso porque o total de anos de existência que a Globo completa coincide com o número que o eleitor que quiser sufragá-lo digitará na urna eletrônica. O exagero parece semelhante ao PSDB pedir que o treinador de futebol Zagallo seja proibido de manifestar sua predileção supersticiosa pelo número 13, pública e notoriamente coincidente com o da candidata do PT. Ou ainda que a torcida do 13 Futebol Clube, de Campina Grande, Paraíba, seja emudecida à força em anos eleitorais - no Brasil, de dois em dois. Mas logo o aparente absurdo se dissolveria, já que, numa demonstração de que quem tem concessão precária de um negócio bom e poderoso como televisão, dependendo dos humores dos governantes, tem, sim, medo de ser feliz, a Vênus Platinada mandou para o lixo a campanha e deixou até de servir o bolo de aniversário.
Ainda ecoava nos meios de comunicação a estupefação de alguns inconformados com a intrusão de Franz Kafka em nossa eleição quando a turma do sítio de dona Dilma botou pra quebrar de novo. Ao mesmo tempo que o ex-áulico de Lula Ciro Gomes atira com sua metralhadora giratória na favorita dele, notificando a escassez de seus méritos biográficos, o que não a legitimaria na disputa do cargo mais poderoso da República, os solertes companheiros da célula cibernética decidiram "refundar" a biografia da candidata. Petistas têm notória predileção por esse verbo, na ilusão de que ele, tendo mandado a lógica aristotélica às favas, signifique fundar uma vez mais, o que nunca seria possível. No entanto, como o termo significa apenas e tão-somente afundar mais, fica a permanente impressão enviesada pelo distinto público de que Tarso Genro pretendia aprofundar o partido quando se candidatou a presidente e o governador da Bahia, Jaques Wagner, acusou o presidente da República de torná-la cada dia mais funda. E, nessa "refundação" (essa palavra, como lembra o escritor Alex Solomon, não está registrada no dicionário), enfiaram uma foto da atriz Norma Bengell numa passeata de protesto contra a ditadura entre flagrantes de Dilma menina e Dilma mulher.
Foi aí que a turma do sítio, pilhada em flagrante delito, "refundou" o passado sem brilho da candidata ao tentar fazê-la alçar voo.
E terminou acusada de copiar titio Josef Stalin, que costumava eliminar ex-camaradas caídos em desgraça dos verbetes das enciclopédias, dos parágrafos dos livros de história e até das fotografias dos momentos históricos da gloriosa Revolução Soviética de 1917. Oh, que pena! O palpite, contudo, é tão infeliz quanto a tentativa de fazer passar a ainda então belíssima estrela de Os cafajestes pela ilustre prócer no viço da juventude. O "guia genial dos povos" eliminava fisicamente os inimigos e os excluía até das fotografias (não necessariamente nessa ordem). Já a travessa turma do sítio de dona Dilma tentou adaptar a História do Brasil às conveniências de sua campanha para aprimorar os méritos pretéritos da mesma. Só conseguiu, porém, chamar a atenção dos adversários e do eleitorado em geral para as fragilidades biográficas da pretendente ao trono.
Em favor da patota urge lembrar que nisso não é única nem singular. Antes, um solerte servidor da então chefe da Casa Civil do governo Lula tentou plantar no currículo acadêmico dela um mestrado que não defendeu e um doutorado que nem sequer cursou na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). O repórter Luiz Maklouf de Carvalho o pegou na mentira com declarações explícitas da direção da renomada instituição acadêmica. E a que foi mestra sem nunca ter sido reagiu ao flagrante com a desculpa de que não concluiu a dissertação porque estava trabalhando. Sim. E daí?
Tenta-se ainda reescrever o currículo de Dilma no documentário, em cartaz em São Paulo, Utopia e barbárie. Seu diretor é Sílvio Tendler, testemunha de que o presidente teria feito uma "brincadeira" entre amigos ao narrar uma tentativa frustrada de assédio a um companheiro de cela no Dops, lembrada por César Benjamin em artigo publicado na Folha de S.Paulo. No filme, de forma menos subliminar que o número dos anos da Globo, ela depõe sobre a própria atuação na luta armada da esquerda contra a ditadura militar de direita no Brasil. De blusa vermelha, a ex-guerrilheira não relembra um fato heroico, só recita teorias que o ministro da Propaganda da República petista, Franklin Martins, defende com mais clareza. Ele e ela não dizem que lutaram pela democracia, mas garantem que resultou da luta de ambos a irreversível implantação de uma mentalidade libertária no Brasil. Terá sido? Sua qualificação como "economista" no filme parece irônica, porque a exibição do filme coincide com a celebração do 80.º aniversário de Maria da Conceição Tavares, notória mestra dos economistas de esquerda no País.
Fatos refundam um passado que áulicos engajados tentam reconstruir, talvez convictos de que Josef Goebbels tinha de fato razão ao atribuir à mentira insistente foros de verdade absoluta.
JORNALISTA E ESCRITOR, É EDITORIALISTA DO "JORNAL DA TARDE"
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