AUGUSTO NUNES
“Se o acordo for ignorado, vamos reagir”, avisou Celso Amorim.
“Se vierem as sanções, os Estados Unidos vão se dar mal”, rosnou Marco Aurélio Garcia.
“Vou esperar para ver o que vem”, completou Lula com cara de quem acordou invocado.
Os recados do chanceler de bolso, do conselheiro para assuntos cucarachas e do presidente da potência emergente deixaram claro que a trinca recém-chegada de Teerã não estava para brincadeira. As demais nações que endossassem o acordo com os aiatolás atômicos. Se falassem em sanções contra o Irã, o desacato internacional ao Brasil e à Turquia não ficaria sem resposta.
É possível que tenham ocorrido falhas na tradução. É possível que os gringos tenham imaginado que o repertório de retaliações do Brasil não vai muito além do boicote à Copa do Mundo e do cancelamento do Carnaval. O fato é que ninguém deu importância às frases ameaçadoras.
Com o apoio das nações que efetivamente influenciam os destinos do mundo, o governo americano substituiu o acordo malandro por outra rodada de castigos aos iranianos provocadores. Restou a Lula botar a culpa nos ianques, proclamar-se vitorioso e bater em retirada.
O problema do país tropical, confirmou o mais recente dos incontáveis fiascos internacionais da Era da Mediocridade, não é o complexo de vira-lata. Essa disfunção, diagnosticada por Nelson Rodrigues, só deu as caras entre 1950, quando a derrota na final contra o Uruguai transformou o brasileiro no último dos torcedores, e 1958, quando a Seleção triunfou na Copa da Suécia.
O verdadeiro problema nacional é o contrário do complexo de vira-lata: é a síndrome de com-o-Brasil- ninguém-pode.
Aprende-se ainda no útero que a nossa bandeira é a mais bonita do mundo, embora ninguém se atreva a sair por aí tentando combinar camisa azul, calça verde e paletó amarelo. Aprende-se no berço que o nosso hino é o mais bonito do mundo, muitos sustenidos e bemóis à frente da Marselhesa. Aprende-se no jardim da infância que Deus é brasileiro, e portanto o país do futuro pode esperar que o futuro chegue dormindo em berço esplêndido.
Já chegou, acredita Lula, portador da síndrome em sua forma mais aguda. Ele decidiu que o país com quem ninguém pode é presidido por um governante que pode tudo. Acha-se capaz de solucionar conflitos cujas origens se perdem no tempo com fórmulas tão singelas quanto as usadas nos anos 70 pelo dirigente sindical escalado para entender-se com os patrões. Não enxerga diferenças entre povos divorciados por ódios milenares e um casal em crise. Dá palpites em conflagrações exemplarmente complexas com a desenvoltura de doutor no assunto. Essa mistura de ingenuidade, soberba e ignorância acabou produzindo uma forma muito singular de mitomania.
No cérebro de Lula, vale repetir, a área reservada à acumulação de conhecimentos é um terreno baldio. Por não ter assistido a uma só aula de geografia, ainda sofre para descobrir no mapa-múndi onde fica o Oriente Médio. Mas promete encerrar com duas conversas confrontos sobre os quais nada sabe.
Por nunca ter lido um livro de história, ignora que o Irã é a antiga Pérsia, confunde o xá com chá, não faz a menor ideia de quem foi Khomeini. Desconhece o passado que produziu os ahmadinejads do presente. Mas chama de amigo um vigarista juramentado que promoveu a parceiro preferencial.
Entre os flagelos que atormentam o Brasil figuram mais de 10 milhões de analfabetos, um sistema de saneamento básico que só cobre metade das moradias, cicatrizes apavorantes no sistema de saúde e de educação, favelas miseráveis penduradas em morros sem lei, fronteiras fora do alcance do Estado, zonas de exclusão que encolheram o mapa oficial em milhões de quilômetros quadrados, a violência epidêmica, a corrupção endêmica, o primitivismo político, uma demasia de carências a eliminar.
O presidente faz de conta que isso é conversa de inimigo da pátria e capricha na pose de conselheiro do mundo.
Candidato a secretário-geral da ONU, Lula já é um dos favoritos na disputa do título de idiota útil da década.
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