organizados
Depois de 516 anos de cleptocracia (de roubalheira
do dinheiro público canalizado para os bolsos de poucos), o Brasil caiu nas
mãos de quatro grandes grupos criminalmente organizados. Não há brasileiro que
escape dos efeitos nefastos seus crimes.
Juntos, eles constituem um “Estado” paralelo ao
Estado (oficial). Grandes parcelas das populações (presas e em liberdade) estão
diretamente submetidas ao “Estado paralelo”, diante da omissão do Estado
oficial, que já não reage mais. Está entrando em colapso.
Não há santos em nenhum dos quatro grupos de crime
organizado que estão massacrando o Brasil. A população, no entanto, sabe muito
pouco sobre eles, que são os seguintes:
(1) crime
organizado privado (PCC, CV, FDN etc.): atuam, fundamentalmente, na
distribuição e venda de drogas e podem até contar com o auxílio de agentes
públicos (policiais, por exemplo), mas o comando da organização é particular (é
dos chefes de cada facção); trata-se de um crime organizado que tem faturamento
na casa dos milhões (somente o PCC fatura anualmente algo em torno de R$ 200 a
R$ 300 milhões por ano – ver Folha, Veja etc.).
Só de
propinas no Brasil, para se ter uma ideia comparativa, a Odebrecht pagou (de
2006 a 2014) R$ 1,9 bilhão, para uma contrapartida em contratos de R$ 7,2 bilhões,
segundo o Departamento de Justiça dos EUA. No mesmo período, em doze países
(Brasil, México, Guatemala, Equador, Colômbia, Peru, Argentina, Panamá,
República Dominicana, Venezuela, Angola e Moçambique), a Odebrecht pagou R$ 3,4
bilhões em propinas e lucrou R$ 11,4 bilhões (Veja, 28/12/16).
O PCC, copiando o modelo de capitalismo à
brasileira praticado pelos donos cleptocratas do poder, que dominam a economia
por meio dos seus monopólios, oligopólios e carteis, está pretendendo
monopolizar nacionalmente o tráfico, a distribuição e a venda de drogas.
A resistência é feroz (como, por exemplo, a da
Família do Norte – FDN – em Manaus, do Comando Vermelho na favela da Rocinha no
RJ etc.), porque a violência é a linguagem desses grupos. A violência está para
esses grupos como a fraude, o conluio e o enriquecimento indevido está para os
demais.
O massacre de Manaus (como outros tantos que têm
ocorrido e vão ocorrer no Brasil) foram previstos por uma Comissão de prevenção
à tortura (em 2015). Nada mais sensibiliza o Estado anestesiado e colapsado. Na
quase totalidade dos assassinatos do país o que se nota é a ausência absoluta
do Estado oficial.
(2) crime
organizado por agentes da administração pública (dentro do INSS, por
exemplo, para recebimento fraudulento de pensões; dentro das policias, dentro
das auditorias fiscais etc.). Esse tipo de crime organizado (bastante
disseminado, como comprovas inúmeras operações da PF) pode até ter alianças com
particulares, mas o comando das ações é dos funcionários públicos (agentes
públicos); não há notícia sobre o faturamento anual total desses grupos.
(3) crime
organizado empresarial: na operação Zelotes apura-se o pagamento de
propinas por empresas que “compravam” decisões tributárias favoráveis no órgão
recursal respectivo (Carf) para se livrarem do pagamento (totalmente ou
parcialmente) de milionárias autuações fiscais.
Incontáveis
e poderosas empresas (Grupo Gerdau, Banco Safra e Hyundai/Caoa, citados pelo O
Globo: 27/3/15; Bradesco, Santander, BTG Pactual, Bank Boston, Ford,
Mitsubishi, BR Foods, Petrobrás, Camargo Corrêa, Light, Grupo RBS, Embraer,
Coopersucar, Cervejaria Petrópolis, Évora, Marcopolo, Nardini Agroindustrial,
Ometto, Viação Vale do Ribeira, Via Concessões, Dascan, Holdenn, Kaneko Silk,
Cimento Penha e C. Prestadora de Serviços mencionados pelo Estadão:
28/3/15) teriam gerado desfalque de R$ 19 bilhões de reais ao fisco.
(4) crime
organizado político-partidário-empresarial: é fruto do conluio entre a
economia e a política; é composto, tal como tem nos revelado diariamente a Lava
Jato, de políticos – deputados, senadores, governadores, presidentes etc. -, de
setores dos antigos partidos assim como de empresários picaretas integrantes da
cleptocracia brasileira, que são precisamente os donos cleptocratas do poder
saídos das elites dirigentes.
É absolutamente incalculável o desfalque que essa
criminalizada organizada gera para o país. Somente na Petrobras o rombo teria
sido de R$ 6 bilhões, consoante dados do balanço da empresa (ou de 42 bilhões,
como informa a PF).
Quem dolosamente integra esses grupos organizados
praticando crimes são bandidos convictos ou quadrilheiros da República.
Esses quatro grupos organizados estão roubando e
matando os brasileiros e o país. Matam dentro e fora dos presídios. Alguns decepam
as cabeças inimigas nas celas, outros roubam o dinheiro público e matam gente
invisível na fila do INSS, dentro dos hospitais ou nas periferias do arcaico
Brasil.
As instituições da área da segurança/Justiça
revelam-se cada vez mais incapazes para enfrentar o crime organizado, que está
corroendo as bases do Estado, paradoxalmente inventado para dar segurança a
todos (consoante Hobbes).
O avanço de todos os crimes organizados no Brasil
(compostos de traficantes, estupradores, homicidas, ladrões do dinheiro
privado, barões ladrões do dinheiro público – que são os donos cleptocratas do
poder -, empresas que fazem da corrupção a alavanca para o crescimento das suas
fortunas etc.) demonstram a crise e, às vezes, até mesmo o colapso das
instituições brasileiras, cada dia mais perdidas em suas funções.
O Estado
brasileiro (que deveria controlar o crime) perdeu o comando dos presídios e já
não consegue deter a ação dos quatro grupos de crime organizado mencionados. A
sua reação é limitada e nitidamente omissiva (em 2016 cortou 85% das verbas
para a construção de presídios, apesar da existência de um déficit de quase 300
mil vagas –Folha).
Depois de cinco séculos de cleptocracia (de
roubalheira do dinheiro público para o bolso de poucos), a conta está chegando
na forma de massacres (que o Estado falido não consegue impedir), de epidemias
difusas, de devastações dos serviços públicos, de salários atrasados, de
aniquilações da capacidade do Estado de reagir.
Solução? Só com novas lideranças transparentes,
comprometidas, honestas e competentes (eticamente saudáveis) o Brasil pode ter
outra cara. Velhas lideranças do clube dos donos cleptocratas e corruptos do
poder só sabem fazer mais do mesmo. Esse desgastado modelo de fazer política,
de tocar partidos e de ser empresário parasita do Estado se exauriu. Seu prazo
de validade venceu. O Brasil precisa ser reconstruído, reinventado. Mas isso
não vai acontecer enquanto insistirmos no arcaico, no ultrapassado.
Luiz Flávio Gomes é professor e jurista, Doutor em Direito pela
Universidade Complutense de Madri e Mestre em Direito Penal pela USP. Exerce o
cargo de Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Atuou nas funções de Delegado,
Promotor de Justiça, Juiz de Direito e Advogado. Atualmente, dedica-se a
ministrar palestras e aulas e a escrever livros e artigos sobre temas
relevantes e atuais do cotidiano.
http://luizflaviogomes.com/o-brasil-caiu-nas-maos-de-quatro-grandes-grupos-criminalmente-organizados/
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